Os neoliberais seguem dizendo que sua teoria é um sucesso presente ou que ela é uma garantia de sucesso futuro. Entretanto, o fracasso do neoliberalismo é um fenômeno bem documentado.
A privatização de empresas públicas é incapaz de, por si só, produzir uma otimização dos serviços prestados e uma redução dos preços. A cidade de Paris privatizou a água e rapidamente passou a sofrer escassez desse insumo abundante na região em que está localizada. A Inglaterra privatizou o transporte ferroviário e alguns anos depois aquele serviço se tornou caro, caótico e passou a sofrer interrupções constantes. O Brasil privatizou os aeroportos e alguns deles se tornaram economicamente inviáveis em razão da diminuição do tráfego aéreo provocado por uma crise que não pode ser superada dentro dos limites impostos pelo neoliberalismo.
A Califórnia desregulamentou totalmente a distribuição de energia elétrica e foi deixada no escuro porque os operadores obtinham lucro maior causando interrupções no fornecimento. O colapso financeiro de 2008, cujos efeitos continuam operando efeitos em diversos países, foi causado pela desregulamentação bancária. No Brasil a diminuição da regulamentação das relações do trabalho (a Reforma Trabalhista imposta país após o golpe de 2016) não provocou nenhuma diminuição na taxa de desemprego. Antes pelo contrário. Hoje o número de empregados é inferior ao número de desempregados.
Franceses e ingleses foram obrigados a reverter as privatizações que fizeram. Alguns serviços somente são otimizados se forem públicos. A regulamentação dos bancos brasileiros protegeu nosso país dos efeitos imediatos da crise financeira de 2008. O único impacto da Reforma Trabalhista foi negativo. A precarização do trabalho acarretou uma queda na arrecadação de contribuições previdenciárias.
Confrontados com os fracassos de suas teorias, os economistas neoliberais culparam a democracia. Utilizando a China como exemplo positivo e os países europeus como exemplo negativo, os defensores do neoliberalismo passaram a defender a tese de que nos países menos democráticos o crescimento econômico era mais acelerado. Eles omitiram um fato importante: há mais de um século diversos países africanos têm passado das mãos de um ditador para as de outro, mas a situação econômica do continente negro não melhorou muito. A ausência de democracia não pode ser considerada uma causa eficiente do desenvolvimento econômico.
Além disso, a China não se tornou uma potência econômica porque adotou um regime antidemocrático. Isso ocorreu em consequência de uma estratégia política de longo prazo cuidadosamente negociada entre Pequim e Washington.
No auge da Guerra Fria os norte-americanos e os chineses perceberam que tinham interesses comuns. Nenhum dos dois poderia fazer frente sozinho ao poderio militar da URSS. A intensificação das relações comerciais e financeiras entre China e EUA foi capaz de satisfazer os interesses mútuos dos dois países. Os chineses obtiveram um fluxo constante de capital que eles não tinham e precisavam para gerar mais renda, empregos e impostos. Os norte-americanos mataram dois coelhos com uma cajadada só: além de ter acesso à abundante mão de obra barata chinesa eles passaram a ter certeza de que a China não se aliaria à URSS para atacar os EUA.
Onde quer que tenha sido adotado o neoliberalismo produziu efeitos devastadores. Aumento da informalidade, redução da expectativa de vida e perpetuação de uma elevada taxa de desemprego e de subemprego. As privatizações acarretaram desabastecimento, encarecimento e decadência de serviços que eram públicos.
As únicas coisas que os neoliberais realmente conseguiram fazer foi aumentar a concentração de renda e desdemocratizar o Estado. Os efeitos deletérios da captura da política pelo mercado financeiro criou um paradoxo insolúvel. Quanto mais a política se torna necessária menos ela é valorizada como uma alternativa viável para a superação da crise. Aliás, a própria crise é em grande medida alimentada com a adoção de uma austeridade economicamente injustificável.
Com a eleição de Donald Trump para comandar os EUA ocorreu uma verdadeira catástrofe internacional. Na Europa e na América Latina começaram a surgir vários clones do presidente norte-americano. Os líderes neofascistas geralmente fazem o mesmo que seu mestre: eles espalham Fake News e atacam ferozmente as consequências do neoliberalismo. Mas quando chegam ao poder eles aplicam receitas neoliberais que perpetuam a crise.
No Brasil não foi diferente. Os resultados econômicos produzidos pelo bolsonarismo são catastróficos: destruição da indústria nacional, crescimento pífio, dólar estratosférico, fragilização da democracia e aumento da concentração de renda. Nós chegamos a uma situação em que realmente não há qualquer alternativa. Exceto uma improvável revolução global.
Em seu livro Alan Sokal e Jean Bricmont afirmaram que “… a história da ciência nos ensina que as teorias científicas passam a ser aceitas acima de tudo por seus êxitos.” (Imposturas Intelectuais – O abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos, Alan Sokal e Jean Bricmont, edições BestBolso, Rio de Janeiro, 2014, p. 73).
No caso do neoliberalismo ocorre exatamente o oposto. O sucesso eleitoral dessa teoria econômica está relacionado aos fracassos que ela produziu para garantir que os ricos ficarão sempre mais ricos e os pobres ainda mais pobres.
As teses defendidas pelos neoliberais não são apenas imposturas intelectuais. Elas são uma estratégia de guerra econômica permanente. A relação que existe entre o neoliberalismo e os benefícios que ele proporcionou para todos é tão fantástica quanto aquela que existe entre o coronavírus, a cerveja Corona e o papel higiênico. Quando as conclusões não decorrem dos fatos ou os próprios fatos são sutilmente alterados provocando deduções diferentes daquelas que deveriam ser extraídas da verdade factual nos deparamos com o nascimento da literatura fantástica, das Fake News e da economia neoliberal. Não por acaso essas três coisas parecem estar intimamente ligadas.