Esse fato permitiu que os assistentes pudessem avaliar as acções da gigantesca força policial que se orquestrava em uma mega invasão.
Os bandidos entricheirados no alto do morro, que era uma zona inexpugnavel, com vários obstáculos e a mira de armamento posicionado no alto da favela, assistiam angustiados a tomada inevitável de seu próprio território e com certeza tinham uma decisão difícil a tomar. Enfrentar ou fugir.
Porque a Polícia não cortou a rota de fuga desses bandidos, já que parecia óbvio que não iriam se dispor a enfrentar a polícia, afinal todo mundo tem medo de morrer?
A pergunta é. O que farão 200 bandidos que correram para o complexo do Alemão para se unir aos outros duzentos bandidos de lá, desesperados, sem comida ou agua? Passarão a ser cidadãos honestos?
Foi em uma das favelas da região, que Tim Lopes fez as imagens da reportagem sobre a feira de drogas, que deu ao repórter, o primeiro prémio Esso de jornalismo, no ano passado.
“A região da Leopoldina, por exemplo, poderia ter sido desenvolvida se não tivesse tanta influência de favela. Quem é que quer viver vizinho de bala perdida, e vizinho de violência? Ninguém mais. E isso, o cidadão começa a enxergar a partir de agora. O índice de segurança é um grande argumento de venda. E que segurança a gente leva para esses empreendimentos? Nós não temos segurança para vender esses empreendimentos”, afirma Rubem Vasconcellos, presidente da associação.
Dos quatro anos em que está no cargo de secretário de Segurança, os três dias - de quinta para domingo - entre a invasão da Vila Cruzeiro e a ocupação do Complexo do Alemão foram os mais difíceis para José Mariano Beltrame.
Como um maestro, ele teve que reger uma orquestra que não podia sair do tom: foram 2.700 homens sob a sua batuta. Seu gabinete se transformou no QG das operações. Para finalizar a sinfonia, até segunda-feira, três batalhões de campanha da PM vão ser instalados nos complexos da Penha e do Alemão.
Segundo o secretário, os PMs vão preparar o terreno para que as tropas do Ministério da Defesa se instalem nos complexos. Beltrame prevê: serão mais de 40 dias de buscas nas comunidades. "Aconteça o que acontecer, a polícia não vai sair de lá", afirmou.
Veja a entrevista na íntegra:
GLOBO: O que farão os batalhões de campanha da PM?
BELTRAME: Eles vão fazer varredura (buscas) o tempo que for necessário. Aquilo lá é muito grande. É serviço para mais de 40 dias. Depois que tivermos segurança, fica só o Exército. Ainda tem muita coisa lá: armas, drogas e bandidos.
GLOBO: Por que a operação começou pela Vila Cruzeiro?
BELTRAME: Efectivamente, a Vila Cruzeiro, mais do que o Alemão, estava numa situação crítica.
GLOBO: Como foi o planejamento das operações?

GLOBO: O que foi mais importante para retomar os complexos?
BELTRAME: O apoio do Ministério da Defesa foi crucial, por possibilitar o auxílio das tropas do Exército e da Marinha. O auxílio da Polícia Federal também foi importante, sem contar o ânimo dos nossos policiais.
GLOBO: O senhor viajou para Brasília na segunda-feira (dia 22 de Novembro), logo que começaram os ataques. O objetivo era pedir apoio das Forças Armadas para a operação?
BELTRAME: Não. Fui cobrar coisas que não tinham vindo. No início do ano, eu havia pedido ao governo federal mais blindados, duas lanchas... Mas estava chegando o fim do ano e nada. Agora está tudo na mão. Não fui pedir apoio das Forças Armadas.
GLOBO: O que deflagrou a invasão?
BELTRAME: No final da tarde, no dia das imagens dos bandidos se exibindo com armas na Vila Cruzeiro, acionamos a Marinha e eles nos ajudaram prontamente. Começou, assim, o planejamento. Houve o fator surpresa.
GLOBO:
BELTRAME: Chamei o coronel Marcus Jardim (do 1º Comando de Policiamento da Capital), o Allan (Turnowski, chefe de Polícia Civil) e pedi a eles que dividissem seus homens, para tomar pontos estratégicos. O Bope já tinha subido, mas o cerco por baixo precisava do apoio dos militares. Nesses três dias de preparo da operação, era imprescindível fazer o cerco. O Exército estava vindo.
GLOBO: A Marinha foi a primeira a auxiliar a polícia estadual. Por que a secretaria conseguiu sensibilizá-la primeiro para essa guerra?
BELTRAME: A Marinha já nos ajudava antes. Ela tem uma oficina de carros blindados e sempre arrumou (consertou) os nossos caveirões com a maior velocidade. Isso fez toda a diferença na operação. Já tínhamos contacto com a Marinha, por isso conseguimos acioná-la tão rapidamente. Quando você pede equipamento, é mais rápido. Quando o assunto é tropa, homens, a autorização do presidente da República e do Ministério da Defesa se faz necessária. Complica mais um pouco.
GLOBO: E o apoio da Polícia Federal?
BELTRAME: Ela é a minha casa. O Ângelo (Gioia, super intendente da Polícia Federal no Rio) liberou 300 homens e carros. A nossa sorte é que, um dia antes, os agentes tinham feito uma operação. O Ângelo disse: "Eles estão aqui à sua disposição até sexta-feira, Mariano". Montamos um gabinete de crise e ele foi o nosso parceiro nas decisões.
GLOBO: Alguma coisa lhe chamou atenção na operação conjunta com as Forças Armadas?
BELTRAME: O pessoal do Exército e da Marinha era do Rio. Praticamente todos os integrantes tinham uma história com o Alemão. O falso poder dos bandidos de lá estava no imaginário deles e de todo mundo. Agora, a casa do Alemão caiu.
GLOBO: Onde funcionou o quartel-general para solucionar a crise e frear os ataques?
BELTRAME: Foi no meu gabinete. Fazíamos tudo aqui.
GLOBO: O governador Sérgio Cabral participou do planejamento?
BELTRAME: O governador é muito carioca. A gente via um dos pontos de ataque, ele lembrava que já havia estado lá, seja quando criança ou durante a campanha. Ele era um dos mais animados, quebrava o clima pesado.
GLOBO: Qual a maior dificuldade?
BELTRAME: As pessoas que trabalham para o tráfico e não têm antecedentes criminais. Elas podem passar caminhando que você não vai poder prendê-las. Temos que cumprir a lei. O cara só é bandido se for preso em flagrante ou procurado pela Justiça.
GLOBO: Os grandes chefes do tráfico, como FB e Pezão, saíram do morro?
BELTRAME: Eles não estão mais lá. Fugiram.
GLOBO: O senhor acha que eles fugiram pela rede de águas pluviais da comunidade?
BELTRAME: Acredito que muitos devem ter fugido dessa forma.
GLOBO: O que o senhor acha das denúncias de que policiais saquearam casas revistadas?
BELTRAME: Temos que tomar cuidado. Alguns casos são verídicos. Por isso, pedimos às pessoas que procurassem a ouvidora ou a Defensoria Pública.
GLOBO: Qual o próximo passo para a pacificação ficar completa?
BELTRAME: Ainda temos muito o que fazer lá. Temos informações de que há famílias reféns. Se elas abrirem a boca, correm risco de vida. O nosso trabalho não é fácil. Sei que, de madrugada, eles (os bandidos) saem de seus esconderijos para circular na comunidade. O controle total nós só teremos quando vasculharmos tudo. Por isso a necessidade das patrulhas dos policiais militares das unidades de campanha. Depois do trabalho feito, já acertamos com o prefeito para ver a rede de esgoto, retirar as barreiras que os bandidos colocaram. Os dois córregos que passam pelo complexo serão limpos.
GLOBO: O que acontecerá nas outras comunidades ainda sob domínio do tráfico? Muitos bandidos correram para lá.
BELTRAME: Falam de explosivos e de armamento de guerra em outros morros. Todo esse poder acabou. Se houver isso em outras comunidades, a gente se programa e vai. A casa caiu verdadeiramente.
GLOBO: Como foi a recepção dos moradores dos complexos à operação?
BELTRAME: Muito moradores pediram que, pelo amor de Deus, a gente não saia mais do morro. Ainda há alguns bandidos por lá. Eu acho que muitos deles não têm para onde ir.
GLOBO: A vitória foi da polícia?
BELTRAME: O grande ganho foi da sociedade. Sempre disse que a polícia do Rio vai a qualquer lugar e a qualquer hora. Agora provamos que o estado é que manda no território.