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terça-feira, 2 de julho de 2013

O PINTINHO CEGO


O PINTINHO CEGO

Olegário Mariano
É ridículo, não nego:
Mas como me comovia
Aquele pintinho cego
Que eu criava e não me via.

O meu cuidado primeiro,
Quando cansado chegava,
Era indagar do caseiro
Meu ceguinho como estava.

E ele que vivia a sós,
Num momento aparecia.
Certamente conhecia
O timbre 
da minha voz.

Vinha vinda e tateando
Pela grama do jardim.
Abaixava-se piando
A esperar com alegria
A festa que eu lhe fazia
Quando o tinha junto a mim.

Uma vez... (se bem me lembro
Era o mês de dezembro)
Pus a criadagem tonta...
Ninguém dele dava conta.

Fiquei louco, furibundo
,
Pus em campo todo mundo,
Gente corria assustada
Pelo jardim, pela estrada,

Até que o acharam com frio,
Longe, num campo baldio,
Tonto, sem poder voltar.
O seu caminho de volta
Era escuro e misterioso
Como uma noite sem luar.

Então resolvi prende-lo:
Fiz-lhe uma casa de palha
E a todo instante ia vê-lo.
Desse modo procurava
Dar-lhe paciência e esperança
Enquanto ele era criança,
Para aguardar o futuro
Mais escuro que o esperava.

Mas o destino, na trama

Como a aranha o prendeu.

O caseiro resolveu
Soltá-lo um pouco na grama...
E ele desapareceu.

Quando no fim de semana
Voltei à minha choupana

...
Vinha feliz! Mal sabia
Que ele não mais existia.

E me acreditem, não nego,
Chorei com pena e saudade
Daquele pintinho cego
Que não via a claridade
Do sol que ilumina o dia,
Que dá vida a todos nós,
E entanto me conhecia
E era feliz quando ouvia
O timbre da minha voz.

POETA OLEGARIO MARIANO
Quem hoje conhece o poeta Olegário Mariano?
O Brasil teve e tem grandes poetas, mas poucos gozaram da popularidade que teve Olegário Mariano. E não se trata de um autor perdido num tempo distante; faz pouco mais de 110 anos que ele nasceu e 45, que ele faleceu.

No entanto, apesar da grande popularidade gozada em vida, que, hoje, conhece o poeta Olegário Mariano?

Olegário Mariano Carneiro da Cunha nasceu no Recife, Estado de Pernambuco, no dia 24 de março de 1889.
Ainda adolescente, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde seu pai ganhara a concessão de um cartório do então presidente Rodrigues Alves. O cartório do pai era freqüentado por diversas personalidades políticas e intelectuais da época e, devido a isso, Olegário Mariano passou a circular pela roda literária de Olavo Bilac, Coelho Neto, Martins Fontes e outros.

Quando estudava no colégio Pio-Americano, o poeta Alberto de Oliveira foi seu professor, orientando-o e estimulando-o para a poesia.
Em 1911, aos 22 anos, ano de seu casamento, publicou, por conta própria, seu primeiro livro de poesias: Ângelus.
Além de poeta, ao longo de sua vida, Olegário Mariano exerceu diversos cargos administrativos e políticos.

No dia 23 de dezembro de 1926, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, tomando posse da cadeira n.o 21 em 20 de abril de 1927.
Em 1938, a revista FON-FON promoveu um concurso no qual Olegário Mariano foi eleito, por intelectuais de todo o Brasil, “Príncipe dos Poetas Brasileiros”. Antes dele, o título havia pertencido ao amigo Olavo Bilac. Com a morte de Bilac, houve nova eleição e o título passou a Alberto de Oliveira, seu ex-professor. Após a morte de Alberto de Oliveira, elegeu-se Olegário Mariano.

O poeta continuou a viver no Rio de Janeiro até 28 de novembro de 1958, quando faleceu.
Por que Olegário Mariano foi tão popular em vida?
Sua popularidade deveu-se às características de sua poesia. Não chegou a seguir nenhuma escola estética com devoção, declarando-se um “lírico incorrigível”.
Sua poesia é simples, de fácil assimilação, romântica e melancólica, tratando de temas do cotidiano, sustentado por um vocabulário singelo.
Um de seus temas prediletos foi a “cigarra” e, por essa razão, passou a ser conhecido também como o “Poeta das Cigarras”.
Para alguns críticos, ao cantar em versos a presença da terra, sua poesia atingiu o ponto mais alto em qualidade.

Nesta seleção que apresentamos a seguir, podemos apreciar poemas escritos ao longo de toda a carreira literária de Olegário Mariano. Seus temas preferidos aí estão, como a cigarra, o campo, a vida simples, as festas populares, as brincadeiras de rua, os animais de estimação, o Natal.

O vocabulário do poeta, que no passado era simples — sem ser pobre —, pode, ao jovem leitor de hoje, apresentar alguma dificuldade. Por essa razão, algumas palavras são remetidas para notas de rodapé, que procuram esclarecer o seu significado. Talvez não haja necessidade de se recorrer a essas notas a todo instante, pois a limpidez das idéias do poeta situará a palavra dentro de um contexto que a esclarecerá facilmente.
A poesia de Olegário Mariano continua a encantar e a emocionar como antes e, com certeza, tocará o coração de todos os que a lerem — descobrindo este poeta aqueles que estão em contato com ele pela primeira vez, ou revivendo emoções, os que já o leram.
Esta é apenas uma pequena seleção dos poemas de Olegário Mariano. É um simples convite ao conhecimento de uma extensa obra que precisa ser resgatada, para se fazer justiça ao poeta e para extasiar os leitores.





Olegário Mariano, 1931,
pintura de Cândido Portinari.





PAGANISMO

Sinto às vezes horror do modo diferente

Com que em louca emoção voluptuoso te espio,

Meu suave amor que tens a figura inocente

De um lírio muito branco, um lírio muito frio.



Ao meu olfato chega o perfume doentio

Do teu corpo mudado em corpo de serpente:

E através desse aspecto anêmico e sombrio

Meu desejo passeia alucinadamente.



Fauno, os olhos boiando em volúpias bizarras,

Quem me dera que tu viesses, na noite escura,

Minha fronte adornar de crótons e de parras,



E na calma do bosque onde o meu sonho medra,

Unisses para sempre, entre o amor e a loucura,

Os teus lábios de sangue aos meus lábios de pedra.




Angelus (1911)





A MÃE-D'ÁGUA

Num recanto de parque onde a melancolia

Da tarde estende um véu de saudade e de dor,

Uma água morta jaz, na última luz do dia,

Imota e triste, em seu perpétuo dissabor.



Ninféias a oscilar bóiam à tona fria

E do leito lodoso, em súbito rumor,

Sobe, de quando em quando, um choro de agonia

Que vai de folha em folha, e vai de flor em flor.



Quando a noite se estende, essa voz continua ...

Cresce cada vez mais e, alongada e comprida,

Como o vento que encrespa os cabelos da lua,



Corre à tona na luz tênue que a sombra espanca ...

— É a Mãe-d'água que chora a saudade da vida

Dentro do coração de um ninféia branca.






Sonetos (1912)





NOITE SONORA



Anoiteceu. Pelas montanhas veio

Lentamente o crepúsculo caindo ...

O céu, redondo e claro como um seio,

Ficou, de lindo que era, inda mais lindo.



O vale abriu-se em pirilampos cheio,

Luzindo aqui, e ali tremeluzindo ...

No regaço da treva, úmido e feio,

A natureza adormeceu sorrindo ...



As cigarras, na sombra, se calaram:

As árvores no bosque farfalharam

Na esperança de ouvi-Ias e de vê-las.



Caiu de todo a noite quieta ... Agora,

O céu parece uma árvore sonora

De cigarras cantando nas estrelas ...






Últimas cigarras (1920)





O SOL QUE CANTA



Quando a cigarra canta é o sol que canta.

Por isso o canto dela acorda cedo

E vai rolando com veemência tanta

Que enche as grotas, os campos e o arvoredo.



Desce aos vales, penetra na garganta

Da serra e acorda a pedra do rochedo.

Parece que da terra se levanta

Um punhado de pássaros com medo.



Em chispas de ouro e vibrações estranhas

Vibram clarins nas notas derramadas ...

Estilhaçam-se taças nas montanhas ...



E o sol, seguindo o canto que se alteia,

Deita fogo na poeira das estradas

E põe pingos de luz nos grãos de areia.


Últimas cigarras (1920)


DESLUMBRAMENTO

É amor? Não sei. Esta intranqüilidade,
Este gozo na dor, esta alegria
Triste que vem de manso e que me invade
A alma, enchendo-a e tornando-a mais vazia;

Este cansaço extremo, esta saudade
De uma cousa que falta à vida ... O dia
Sem sol, as noites ermas, a ansiedade
Que exalta e a solidão que anestesia,

É amor. Egoísmo de sofrer sozinho,
De as penas esconder do humano açoite,
De transformar as pedras do caminho

Em carícias sutis para colhê-las
E andar como um sonâmbulo, na noite,
Escancarando os olhos às estrelas ...


Canto da minha terra (1930)  


CIGARRA

Figurinha de outono!
Teu vulto é leve, é sensitivo,
Um misto de andorinha e bogari.
Num triste acento de abandono,
A tua voz lembra o motivo
De uma canção que um dia ouvi.

Quando te expões ao sol, o sol te impele
Para o rumor, para o bulício e tu, sorrindo,
Vibras como uma corda de guitarra...
É que o sol, quando queima a tua pele,
Dá-te o grande desejo boêmio e lindo
De ser flor, de ser pássaro ou cigarra

Cigarra cor de mel. Extraordinária!
Cigarra! Quem me dera
Que eu fosse um velho cedro adusto e bronco,
E tu, nessa alegria tumultuária,
Viesses pousar sobre o meu tronco
Ainda tonta do sol da primavera.

Terias glórias vegetais sendo vivente.
Mas um dia de lívidos palores,
Tu, cigarra, que vieste não sei donde,

Morrerias de fome lentamente
No teu leito de liquens e de flores
No aconchego sutil da minha fronde.

E eu, na dor de perder-te, no abandono,
Sem ter roubado dessa mocidade,
Do teu corpo de flor um perfume sequer,
Morreria de tédio e de saudade...
Figurinha de Outono!
Cigarra que o destino fez mulher!


Evangelho da Sombra e do Silêncio: versos (1911/1912).


A VELHA MANGUEIRA

No pátio da senzala que a corrida
Do tempo mau de assombrações povoa,
Uma velha mangueira, comovida,
Deita no chão maldito a sombra boa.

Tinir de ferros, música dorida,
Vago maracatu no espaço ecoa...
Ela, presa às raízes, toda a vida,
Seu cativeiro, em flores, abençoa...

Rondam na noite espectros infelizes
Que lhe atiram, dos galhos às raízes,
Em blasfêmias de dor, golpes violentos.

E, quando os ventos rugem nos espaços,
Os seus galhos se torcem como braços
De escravos vergastados pelos ventos.


Canto da Minha Terra (1930).


ARCO-ÍRIS

Choveu tanto esta tarde
Que as árvores estão pingando de contentes.
As crianças pobres, em grande alarde,
Molham os pés nas poças reluzentes.

A alegria da luz ainda não veio toda.
Mas há raios de sol brincando nos rosais.
As crianças cantam fazendo roda,
Fazendo roda como os tangarás:

"Chuva com sol!
Casa a raposa com o rouxinol."

 De repente, no céu desfraldado em bandeira,
Quase ao alcance da nossa mão,
O Arco-da-Velha abre na tarde brasileira
A cauda em sete cores, de pavão.


Canto da Minha Terra (1930).


A VELHA MANGUEIRA

No pátio da senzala que a corrida
Do tempo mau de assombrações povoa,
Uma velha mangueira, comovida,
Deita no chão maldito a sombra boa.

Tinir de ferros, música dorida,
Vago maracatu no espaço ecoa...
Ela, presa às raízes, toda a vida,
Seu cativeiro, em flores, abençoa...

Rondam na noite espectros infelizes
Que lhe atiram, dos galhos às raízes,
Em blasfêmias de dor, golpes violentos.

 E, quando os ventos rugem nos espaços,
Os seus galhos se torcem como braços
De escravos vergastados pelos ventos.


Canto da Minha Terra (1930).



 A CIGARRA MORTA
Ontem, Cigarra, quando veio a aurora,
acordei a vibrar com a tua vinda.
A tua voz tinha, de espaço fora,
notas tão claras que eu a escuto ainda.

Glorificando a luz consoladora,
cantaste, e enfim tua cantiga é finda.
Tenho nas minhas mãos, inerte agora,
teu corpo cor de mel. Cigarra linda.

Foste feliz, porque te deram esta
garganta de ouro. Assim, de palma em palma,
passou, num sonho, a tua Vida honesta...
Vendo-te, os meus sentidos se levantam,
esperando a cantiga de tua alma,
que as almas das Cigarras também cantam...
                   (De Ùltimas Cigarras)


A OVELHA TESMALHADA


A noite abriu, em céu estranho,
para adorá-las e querê-las,
um turbilhão tonto de estrelas,
lindas ovelhas de um rebanho.

O luar — pastor lírico, em breve,
surge e, apontando o seu cajado,
vai por montes e colinas de neve
guiando o rebanho mágico e doirado...

Mas uma ovelha tresmalhada
perdeu-se. O luar, em cólera, se espelha:
— Onde andará aquela ovelha
de olhos verdes, a mais amada,
de boca a mais vermelha?

“Onde andará?...”  De serra em serra:
“Onde andará?...” Ansioso, avança,
como um doido pelas alturas...


E ela tranqüila, aqui na terra,
com o nome lindo de Esperança
iludindo e matando as criaturas...

         (De Canto de Minha Terra
)


RENÚNCIA

Renunciar.  Todo o bem que a vida trouxe,
toda a expressão do humano sofrimento.
A gente esquece assim como se fosse
um vôo de andorinha em céu nevoento.

Anoiteceu de súbito. Acabou-se
tudo... A miragem do deslumbramento...
Se a vida que rolou no esquecimento
era doce, a saudade inda é mais doce.

Sofre de ânimo forte, alma intranqüila!
Resume na lembrança de um momento
teu amor.  Olha a noite: ele cintila.

Que o grande amor, quando a renúncia o invade<
fica mais puro porque é pensamento,
fica muito maior porque é saudade.


                   (De Ùltimas Cigarras)

DeCIDADE MARAVILHOSA
(Poema)
2ª edição augmentada
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1930

[Livro dedicado à cidade do Rio de Janeiro. Conservamos a ortografia original como curiosidade.]


O crepusculo na Quinta da Boa Vista

VI

O crepusculo estende as mãos sobre a paysagem,
Abre os braços num gesto affectuoso de amigo.
Tua saudade vae caminhando commigo,
Humanísada como a tua própria imagem.

Dormem, á fiar do lago, as nymphéas em calma.
De quando em quando uma asa fere a agua dormente.
Por que doe tanto em mim essa tristeza ambiente?

Amôr? Tedio? Renuncia? O pensamento vário
Gira em torno das cousas tristes que me encantam.
Na alma de cada poeta ha um lago solitario
Que sonha ouvindo a voz dos passaros que cantam...

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CONFISSÃO SILENCIOSA  
Amo os crepúsculos cinzentos
Caindo sobre as águas estagnadas . . .
Os pinheiros sonolentos
Humanizando a calma das estradas . . .
O infinito, as estrelas longínquas,
O poema que há na dor silenciosa
Dos que querem falar e que se calam :
Amo os teus olhos, amor dos outros,
Porque os teus olhos nunca falam!

A  TOADA  DA CHUVA
Chove incessantemente . . . Uma garoa
Fina e sutil parece não ter fim.
No ar pardacento uma andorinha voa . . .
E a chuva bate como um tamborim.
Para os seres sem alma a vida é boa,
Para mim que sou triste a vida é ruim,
Pois me falta o calor de uma pessoa
Que é a própria vida boa para mim.
E a chuva continua à toa, à toa . . .
Chuva, por que vives caindo assim?
Será que uma outra força te magoa?
Por que teu choro d’água não tem fim?
Se eu tivesse o calor de uma pessoa,
Seria a vida um sonho para mim. 

NAS  RUÍNAS  DA  CASA-GRANDE 
A casa-grande é um espelho do passado :
Corroeu-lhe o tempo a pedra do batente
E do que foi solar da minha gente
Resta apenas um escudo brasonado. 
Mas, através do paredão gretado,
Ouvem-se ainda na aflição do poente,
Ressonância de vozes e o frequente
Bater das velhas portas do sobrado. 
Em cada telha há um gesto de abandono.
A voz que vem de longe das herdades
É a mesma voz que me embalava o sono. 
E agora, em plena noite que se expande,
Piam as andorinhas . . . São Saudades
Que dormem no beiral da casa-grande. 
                   Poço da Panela – Recife, 1940.

Olegario Mariano
De
Olegario Mariano
DESTINO
2a. edição aumentada
Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1933.

Obs. mantivemos a ortografia original.


Palavras a um desgraçado


Não procures no céo nenhum conforto
A’ tua dor, que o céo, indiferente,

Ante a miséria do teu corpo morto,

vendo-te triste, ficará contente.



Não procures nas arvores de um horto

Alguma, cuja sombra te acalente.

Deixa que passe o tempo... O desconforto

Irá com o tempo milagrosamente...



Mas se a dôr te pungir com mais crueldade,

Esmaga o coração com a mão crispada

Que emfim terás, num derradeiro alento,



Coragem de morrer sem ter saudade...

Fôrça para a renuncia desejada

ou redenção para o arrependimento.
DeCASTELLOS NA AREIA
Poemas de Olegario Marianno
Rio de Janeiro:  Pimenta de Mello, 1923
[Castelos de Areia, Olegario Mariano]

Conservamos a ortografia original na atual reprodução.


MELANCHOLIA

Que dia insipido e enfadonho!
Maldito seja este domingo!
Lá fóra cae a chuva, pingo a pingo...
Cá dentro passa a vida, sonho a sonho...

Fumo e fumaça, no ar parado,
Sóbe ondeando... Eu bem sei.
É um contôrno impreciso, ennevoado,
Humanizando um sonho que eu sonhei...

Fecho os olhos de manso para vel-a
Com os olhos da memoria... A alva fumaça
Se adelgaça num gésto e passa pela
Vidraça

E ganha o parque e vae, diáfana e fina,
Caricia humana, sonho ephemero de amor...
Tem qualquer cousa de menina,
De menina, de passaro ou de flor...

Galga as frondes á chuva, desce ao rio
A´ tona da agua crêspa...
E´um minúsculo insecto luzidio,
Aurilavrada vêspa.

Vôa e revôa aos lyrios, louca,
Passando, em tímido meneio,
Pollen de lyrios para a flôr da boca,
 Alvôr de lyrios para o alvôr do seio.

Depois, tonta de vida, ebriada volta
Garatujando ao longe outro roteiro...
Tem cuidado com o vento, fôlha solta,
Fôlha do jasmineiro!

E cresce á proporção que se approxima,
Rompe a distancia á tôa...
E´ uma rima que vôa
De uma Ballada, passaro da rima.

Atravéssa a vidraça...
E agora, erguendo as mãos implorantes por mim,
Ella, que foi sonho e fumaça,
Vae ser cinza e saudade... A vida é assim...

De
POEMAS DE AMOR E DE SAUDADE
por OLEGARIO MARIANNO
São Paulo: Companhia Editora Nacional, s.d.
Conservamos a ortografia original na atual reprodução.

XII
DO SONHO E DO SOFFRIMENTO

Porque ha de o Sonho ser tão breve,
Durar tão pouco, meu amor?
O Sonho tem o ephemero sabôr
Da phrase que se pensa e não se escreve.

Passa, mas deixa como em cofre
Antigo, de metal lavrado,
Um pouco de perfume do Passado
E um resto de infortunio de quem soffre.

Passa, mas sempre fica a flamma
De uma saudade bemfazeja:
Perfume do pescôço que se beija,
Sombra do corpo da mulher que se ama.

Depois, no fundo da alma doída,
É que sentimos para nós crescer
Essa immensa vontade de morrer
E esse indifferentissimo pela Vida...



Página ampliada e republicada em dezembro de 2008; ampliada outra em julho 2009. ampliada e republicada uma vez mais em maio de 2010.

2 comentários:

  1. O Olegário Mariano Carneiro da Cunha era o primo rico e inspirado de meu avô Manoel. Nada sei dele, pouco mais do que escreveu. Creio que muito perdi com isso, pois até os poetas sempre tem o que dizer além de suas palavras . . . e os avôs mais ainda.

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    1. Por issogosto às vezesde conversar com a minha mãe hoje com 93 anos. Ela pór certo tem muito a dizer de uma época que está ficando esquecida. Essas memórias são preciosas para nós.

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