O nazismo no Brasil teve início ainda antes da Segunda Guerra Mundial, quando o Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores fez propaganda política no país para atrair militantes entre os membros da comunidade alemã. Embora a maioria dos teuto-brasileiros não se tenha aderido ou simpatizado com a propaganda hitlerista, o Brasil tinha a maior seção do Partido Nazista fora da Alemanha.1
A teoria conspiratória de que os estrangeiros querem tomar a Amazônia já foi mais do que uma polêmica para a mesa do bar. Esse risco existiu de verdade e para a surpresa da maioria, não foram os EUA que mapearam a área e sim a Alemanha nazista. Um relatório de 1940 feito pelo biólogo e geógrafo Otto Schulz-Kamphenkel para a SS – a força de elite do Terceiro Reich – afirma que a Operação Guiana, que tinha como objetivo colonizar as guianas Francesa, Inglesa e Holandesa, seria feita pelo norte do Brasil, pois os nazistas já conheciam a região e tinham gostado do que viram. Schulz-Kamphenkel liderou uma expedição de 1935 a 1937 que começou em Belém do Pará, passando pelo rio Jari, no atual estado do Amapá, até a Guiana Francesa.
Em carta para Hitler, em 3 de abril de 1940, o oficial da SS Heinrich Peskoller afirma que os metais preciosos da região – ouro e diamantes – seriam o bastante para acabar com a dificuldade financeira da Alemanha em poucos anos. Além do interesse financeiro, Peskoller manifestou que a região seria um bom lugar para a raça ariana viver: “O empenho e a técnica alemã poderiam domar as inúmeras cachoeiras na forma de usinas hidrelétricas colossais, podendo fazer uma rede elétrica em todo o país com bondes, navegação fluvial, produção de madeiras nobres, pontes, aeroportos, escolas e hospitais. A comparação entre o antes e o depois da tomada dos alemães contaria pontos para o Führer”, escreveu Peskoller. A questão política também influenciou a expedição, já que com a conquista das Guianas, os alemães atrapalhariam a Inglaterra, que comprava muitas matérias-primas das Américas. A posição estratégica para abater navios ingleses também foi citada na carta para Hitler.
Em 1940, a operação foi organizada. Ela seria feita em sigilo e em duas frentes: uma tropa de 150 soldados navegaria o rio Jari para chegar a Caiena, capital da Guiana Francesa e outras pequenas embarcações e 2 submarinos atacariam pela costa da Guiana. Segundo os nazistas, os países vizinhos não seriam empecilho para a invasão, já que o Brasil ofereceu apoio irrestrito à primeira viagem de Schulz-Kamphenkel pela Amazônia, que tinha como pretexto o estudo da flora e fauna do local. A operação continha também planos assustadores para o período pós-guerra. O próximo alvo dos nazistas seria o Japão: “Se conseguirmos assegurar (o território das Guianas), teremos uma posição estratégica para enfrentar o Japão”, diz o relatório.
Apoio brasileiro
Durante a expedição, um hidroavião cedido pelo Ministério da Aeronáutica nazista foi utilizado para testes de técnicas de mapeamento aéreo, que posteriormente foram usados para fins militares durante a Segunda Guerra. Um acordo entre os ministérios das Relações Exteriores e da Guerra de Brasil e Alemanha assegurou a isenção de impostos para armas, munição e mais de 30 toneladas de material para a expedição. O apoio existiu pois o governo brasileiro também desconhecia a região e tinha interesse nos resultados obtidos pela expedição. Além disso, o presidente brasileiro, Getúlio Vargas, não escondia seu respeito ao nacional-socialismo de Hitler, os cientistas alemães eram admirados no Brasil e as políticas antissemitas tinham o respaldo do Ministério das Relações Exteriores. “O nazismo tinha uma legenda organizada no Brasil. Membros do partido andavam com carteiras de identificação, jornais nazistas circulavam sem restrições e materiais racistas eram veiculados em escolas. Vargas tinha uma clara identificação ideológica, principalmente, com as noções de uma nação forte e uma raça pura”, diz Maria Luiza Tucci Carneiro, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação do Departamento de História da USP.
Os meios de comunicação também apoiavam a expedição nazista. Em 9 de agosto de 1935, o jornal cariocaGazeta de Notícias publicou uma matéria que enaltecia o trabalho de Schulz-Kamphenkel. Já em entrevista aoJornal do Norte, no dia 24 de agosto de 1935, o piloto alemão Gerd Kahle agradeceu os elogios da mídia.
Planos abandonados
Apesar de tudo, a segunda expedição alemã não saiu do papel. A decisão de não prosseguir com o plano foi do líder da SS, Himmler, que afirmou que a guerra havia ganhado outras proporções e seria mais inteligente focar as forças alemãs na Europa. Em 10 de maio de 1940, a Alemanha atacou com uma grande ofensiva a Europa Ocidental, conquistando em poucos dias a Holanda e em cerca de um mês, Hitler realizou seu desfile histórico pela Avenida Champs-Elysées, em Paris. Assim, os planos de invasão da Amazônia foram abandonados.
Após retornar do Brasil, Schulz-Kamphenkel chegou ao posto de tenente e realizou operações secretas que levaram mais de 50 pesquisadores nazistas para estudar o deserto do Saara e as possíveis rotas que os ingleses e franceses fariam para chegar à Itália. Em 1945 ele foi preso na Áustria por norte-americanos e enviado para um campo de prisioneiros de guerra. Após ser interrogado pelo FBI, um oficial do governo norte-americano sugeriu que os EUA adotassem as técnicas de mapeamento aéreo desenvolvido por Schulz-Kamphenkel, porém, a sugestão não foi acatada. No mesmo ano, o ex-tenente foi solto e abriu um instituto de educação que, até hoje, fornece filmes didáticos e materiais de ensino de geografia para escolas da Alemanha.
Na década de 1980, a região do rio Jari e a fronteira com a Guiana Francesa foi tomada para a extração de ouro, com a ação predatória de garimpeiros e exploração mineral. Atualmente, a região faz parte de uma área de proteção ambiental, porém continua a sofrer com o desmatamento, que cresceu 60% no segundo semestre de 2011.
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