1 - Primeiramente João Goulart não precisava defender operários e nem trabalhadores, porque descendia de uma família de latifundiários, muito ricos do Rio Grande do Sul, mas a sua opção foi a política em defesa da causa operária, coisa rara vindo de quem deveria ter exactamente interesses contrários a esses.2 - Foi além de um grande líder político um homem de muita coragem. Quando Getúlio Vargas o nomeou seu Ministro do Trabalho, João Goulart instituiu o aumento do salário mínimo em cem por cento, o que provocou a revolta da classe patronal e o que o levou a exoneração apesar de Getúlio ter conservado o aumento de cem por cento.
- As reformas de base abrangiam as seguintes áreas:
- Reforma educacional: visava combater o analfabetismo com a multiplicação nacional das pioneiras experiências do Método Paulo Freire. O governo também se propunha a realizar uma reforma universitária e proibiu o funcionamento de escolas particulares. Foi imposto que 15% da renda produzida no Brasil seria direcionada à educação.
- Reforma tributária: controle da remessa de lucros das empresas multinacionais para o exterior; o lucro deveria ser reinvestido no Brasil. Os imposto de renda seria proporcional ao lucro pessoal.
- Reforma eleitoral: extensão do direito de voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente.
- Reforma agrária: terras com mais de 600 hectares seriam desapropriadas e redistribuídas à população pelo governo. Neste momento, a população agrária era maior do que a urbana.
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Reforma urbana: foi estipulado que as pessoas que tivessem mais de uma casa poderiam ficar com apenas uma; as demais seriam doadas ao Estado ou vendidas a preço baixo.
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As condições nos países do Cone Sul, nos meados dos anos 1970, não ofereciam também a menor segurança. No Chile, sangrento golpe de estado derrubara o governo constitucional e democrático do socialista Salvador Allende. Juan Domingo Perón, que voltara à presidência da Argentina (outubro de 1973) e mantinha excelente relacionamento com João Goulart[1], falecera em 1 de julho de 1974. Como vice-presidente, sua viúva, Isabel Perón (seu nome verdadeiro era Maria Estela Martinez) ocupou o governo da Argentina, cujas condições internas, tanto econômicas quanto políticas, voltaram a deteriorar-se, ao tempo em que atos de terror e violência se intensificavam, com as organizações paramilitares – Triple A (Alianza Anticomunista Argentina) e Comando de la Organización – a assassinarem militantes e líderes de esquerda, enquanto o Ejército Revolucionario del Pueblo (ERP), de origem trotskista, e as formaciones especiales da Juventude Peronista (Montoneros) realizavam seqüestros, atacavam quartéis e executavam ousadas operações de guerrilhas em Tucumán. Isabel Perón também fora deposta do governo da Argentina por um golpe de estado, em março de 1976. E diversos líderes latino-americanos, que se opunham aos regimes militares, morreram em Buenos Aires assassinados, e entre eles dois importante políticos uruguaios, o ex-ministro de estado e ex-senador Zelmar Michelini e o ex-presidente da Câmara de Deputados, Héctor Gutiérrez Ruiz, cujos cadáveres foram encontrados juntos, dentro de um automóvel, em 22 de maio de 1976[2], bem como o general Juan José Torres, que fora deposto do governo da Bolívia (1971) com o apoio do Brasil[3]. Àquela época, os órgãos de repressão da Argentina, Brasil, Uruguai, Chile, Bolívia e Paraguai haviam concertado um entendimento e desencadeado, conjuntamente e com a assistência da CIA, a Operação Condor, com o objetivo de eliminar toda e qualquer resistência aos regimes ditatoriais instalados naqueles seis países do Cone Sul [4].
- Goulart, que montara uma empresa para a exportação de carne e arroz, em Buenos Aires, onde pretendia residir, recebeu também ameaça de morte e, segundo se informava, teve seu escritório, naquela cidade, na Avenida Corrientes, invadido, cofre e armários arrombados, por um comando cujo objetivo aparentemente fora seqüestrá-lo e matá-lo. Este fato é contestado por algumas fontes, mas algo estranho, de qualquer maneira, houve. E alternativa não restou a Goulart senão passar mais tempo em Mercedes (Argentina), onde possuía uma estância (La Villa) ou sua fazenda em Maldonaldo, perto de Punta del Este, no Uruguai. Mas, no Uruguai, onde fora recebido, em 1964, não como refugiado político e sim como presidente constitucional do Brasil, e obtivera até mesmo passaporte[5], negado pelo governo brasileiro[6], a situação igualmente se modificara. Depois do golpe de estado de 27 de junho de 1973, o governo autoritário de Juan Maria Bordaberry sujeitou-se ainda mais à influência do governo brasileiro, do qual dependia econômica e politicamente, e começou a criar as maiores dificuldades para todos os exilados, inclusive para Goulart. Seu filho, João Vicente Goulart, com 16 anos, foi preso, teve sua cabeça raspada e ficou três dias em um quartel. Sua mãe, Maria Tereza Goulart, sob a alegação de transporte irregular de carne[7]. O piloto, Rubem Rivero, foi também preso sob a acusação de militância subversiva. E o próprio Goulart, que tivera de mandar seus filhos – João Vicente e Denise – para a Inglaterra, com receio de que fossem seqüestrados[8], foi compelido pelo governo uruguaio a desistir do direito de asilo, dado que não o podia expulsar, devido aos seus grandes investimentos no país[9].
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Goulart estava deprimido, ansiando voltar ao Brasil, o que constituía sua obsessão, e não tomava os devidos cuidados com a saúde, pois, embora fosse sabidamente cardíaco, continuava a comer sempre a gordura da carne, fumava e não dispensava algumas doses de whisky. E, em tais circunstâncias, ele decidiu fazer uma viagem à Europa, onde não apenas visitaria os filhos em Londres como verificaria as condições de mudar-se para a França[10] ou Espanha, onde ficaria perto de seus filhos que estudavam em Londres. Brizola, naquela ocasião, soube através do serviço secreto de Cuba, com qual desde 1965 nunca perdera contacto, da existência de um complô para assassinar Goulart quando ele passasse por Buenos Aires. Como não lhe queria diretamente falar, pois suas relações continuavam rompidas, procurou o escritor Edmundo Moniz, ex-diretor do Correio da Manhã, asilado em Montevidéu e amigo de ambos, e pediu-lhe que o avisasse do risco que correria[11]. Brizola, perguntado então porque ele, pessoalmente, não o fazia, inventou a desculpa de que Goulart o vira em um posto de gasolina e não o cumprimentara.
- Diante dessa evasiva, Edmundo Moniz aceitou a incumbência e transmitiu a informação a Goulart, que tomou a iniciativa de ir apartamento de Brizola, a pretexto de visitar sua irmã Neuza, então adoentada, e despedir-se, dado que estava com a viagem marcada para a Europa. Brizola, ao saber da presença de Goulart no prédio, recolheu-se a um dos quartos do apartamento, mas o escritor e jornalista Josué Guimarães, que lá se encontrava, bem como outros amigos pressionaram-no para que aparecesse na sala, com o que ele a muito custo aquiesceu, reconciliando-se assim com o cunhado, após 12 anos de rompimento[12]. Mas os dois não conversaram sobre política. Só de assuntos pessoais, de família.
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Pouco tempo depois, em setembro de 1976, Goulart realizou a viagem à Europa[13] e aproveitou para fazer exames no instituto cardiológico de Lyon, quando passou pela França, e após submeter-se a vários exames, recebeu uma advertência a respeito de seu estado de saúde, e escreveu uma carta a Cláudio Braga, que cuidava de seus negócios em Buenos Aires e a quem confiava assuntos políticos e pessoais, contando que os resultados foram “bem razoáveis”, considerando que não se sujeitara “nunca às prescrições médicas e regimes” [14]. Também comentou a situação no Brasil, onde “as cousas se esquentaram”, com a notícia de seu possível regresso, e se estavam “somando muita detonantes; eleições, situação econômica - social muito difícil, morte de JK, com repercussões de toda ordem e da maior magnitude (inesperada completamente para o governo), graves denúncias no campo moral etc. etc.”.[15]
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Goulart tinha consciência de que não mais podia permanecer nem no Uruguai nem na Argentina, devido à insegurança que se instalara nesses dois países, onde recrudesceram os assassinatos dos líderes políticos, que se opunham aos regimes militares. Mas tinha dúvida sobre o que fazer. De um lado, excogitava morar em Paris. Do outro, pretendia regressar a Brasil, mesmo sem anistia política. Assim, logo após regressar da Europa a Montevidéu, solicitou a Cláudio Braga que ouvisse a Almino Afonso, que voltara a Buenos Aires uma viagem ao Brasil apesar de que estivesse exilado, sobre um possível retorno, mesmo sem anistia. Almino Afonso foi favorável. Mas nada de ir pela fronteira, nem de exílio dentro da pátria. Sua idéia era de que Goulart fizesse outra viagem à Europa, a fim de visitar o papa Paul VI, e aos Estados Unidos para um encontro com o senador democrata Edward Kennedy, irmão do ex-presidente John Kennedy e então o principal oponente das ditaduras militares instituídas na América Latina, após o que, com ampla divulgação, em New York tomaria um avião diretamente para o Rio de Janeiro, em franco desafio ao regime militar e correndo o risco de ser preso.[16] “Esta opinião foi por mim transmitida a Jango e conversamos várias vezes no Uruguai, mas ele sempre ordenava "absoluta reserva", ate sua definitiva autorização para deslanchar a operação retorno” – recordou Cláudio Braga.[17]
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Por volta de 25 ou 26 de novembro, Goulart telefonou para Cláudio Braga, pediu-lhe que estivesse às 15 horas no bar do Hotel Columbia em Montevidéu. Após falar sobre seus interesses na Argentina, principalmente sobre um grande remate de gado que pretendia fazer em Mercedes-Corrientes, e orientá-lo sobre todas as providencias a tomar, Goulart disse a Cláudio Braga: “Agora vamos ao mais importante. Viajes primeiro a Bueno Aires e marques um jantar com Almino, transmitindo-lhe minha decisão de regressar ao Brasil; ele pode ir pensando na operação regresso, na qual, certamente, estará incorporando o Waldir (Pires)”[18].
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Quando ambos caminhavam para o Hotel Alhambra, na parte velha e Montevidéu, Cláudio Braga ainda várias vezes lhe perguntou, se esta era uma decisão definitiva. E ele respondeu: "se não fosse, eu não estaria mandando tu falares com Almino. As conversas com Almino são conversas sérias... Ele é um homem sério. Irei antes conversar com Edward Kennedy, enquanto isso Almino irá ouvindo a quem ele considerar necessário a essa operação"
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Cláudio Braga cumpriu a missão. Encontrou-se com Almino na confeitaria Richmond, na calle Florida em Buenos Aires, e transmitiu-lhe a decisão de Goulart. “Lembro-me que Almino Afonso disse – mais ou menos – o seguinte: ele prestará mais uma vez um grande serviço ao país.”[19] Goulart, diante de tal perspectiva, estava sob forte tensão. Dado sofrer de cardiopatia grave e haver-se ampliado sua afecção coronariana, ele havia parado de beber e começara a fazer violento regime, a fim de emagrecer, porém mal controlado, e continuou a fumar muito, não obstante a proibição do médico, e a comer ovos e carnes gordurosas, conforme o próprio depoimento de sua esposa, Maria Tereza Goulart[20]. Grande era, portanto, o perigo de que tivesse outro enfarte, como já sofrera no Uruguai, em 1969.
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De qualquer forma, Goulart, consciente ou não deste problema, prosseguiu normalmente suas atividades. Foi encontrar-se com Maria Tereza, em Maldonado, a fim de irem juntos à fazenda em Tacuarembó e de lá partirem para Argentina, pelo interior, cruzando o rio Uruguai, pois não pretendia transitar por Buenos Aires, em virtude do clima de ameaças lá existente. E na manhã de 5 de dezembro, com a perspectiva de retornar em breve ao Brasil mesmo sem anistia[21], viajou com Maria Tereza para La Villa, a estância que possuía na província de Mercedes, Argentina. Fê-lo, sigilosamente. Mas a viagem fora, decerto, exaustiva, pois Goulart e Maria Tereza seguiram de avião apenas até Bella Unión, fronteira do Uruguai, atravessaram de lancha o rio Uruguai para Monte Caseros, prosseguiram de automóvel até Paso de los Libres, onde almoçaram com um negociante de gado no Hotel Alejandro I, após o que partiram para La Villa, distante cerca de 120 km de Uruguaiana, no Brasil.
- Lá eles chegaram à tarde de domingo, dia 5 de dezembro, recebidos pelo administrador da fazenda, Júlio Passos. À noite, enquanto conversava com Julio Passos detalhes sobre o recolhimento do gado para vacinação, Goulart comeu um churrasco de ovelha e, depois de beber uma xícara de chá, recolheu-se por volta de 1h ao seu quarto para dormir. Às 2h40m, porém, Júlio Passos ouviu os gritos de Maria Tereza – a angústia dos gritos era tamanha que ele pensou que alguém invadira a casa – e correu até o quarto, onde viu Goulart, deitado, com a mão no coração, e ela a tentar abrir-lhe os braços para fazê-lo respirar. Cinco minutos depois, às 2h45m, Goulart estava morto. O médico, Ricardo Rafael Ferrari, que o motorista Roberto Ulrich, o “peruano”, correra para buscar, já nada mais pôde fazer. E, após examinar o corpo, diagnosticou no atestado de óbito, como causa da morte: enfarte do miocárdio.
- Goulart “passara incólume por uma dezenas de inquéritos”, conforme Elio Gaspari salientou,[22] purgara doze anos de exílio, mas a ditadura, o regime autoritário, instituído pelo golpe de estado de 1964, mostrou a sua face cruel, desumana e mesquinha. O governo do general Ernesto Geisel, embora se propusesse a promover, gradativamente, a abertura política, não decretou luto oficial, o que obrigou José Magalhães Pinto, presidente do Senado, a mandar baixar a bandeira a meio-pau hasteada, em sinal de luto, no prédio do Congresso, e o Departamento de Censura proibiu a transmissão de comentários sobre a carreira política de Goulart, através do rádio e televisão, só permitindo “a simples nota do falecimento”, desde que não fosse “repetida sucessivamente”[23].
- Mesmo a autorização para que o seu corpo fosse sepultado no Brasil, gerou sérias controvérsias, porque o general Sílvio Frota, ministro da Guerra, tentou anular a autorização dada pelo vice-presidente da República general Adalberto Pereira dos Santos, para que o féretro atravessasse a ponte presidente Justo que ligava a cidade de Paso de los Libres, na Argentina, a Uruguaiana, no Brasil[24]. Não conseguiu. Só assim, doze anos, oito meses e quatro dias após asilar-se no Uruguai, o presidente constitucional da República, já sem vida, teve permissão de regressar ao Brasil para ser enterrado em São Borja, onde nascera.
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Em relação ao livro "O BEIJO DA MORTE", No ápice da tragédia estaria um assassinato de um ex-presidente do Brasil por um Presidente do Brasil, O General Geisel, um dos generais que exerceram poder ditatorial por quase vinte anos. No livro um capítulo inteiro escrito por Anna Lee aponta para um pelego uruguaio chamado de Mario Naira Barreiro, hoje prisioneiro em Charqueadas por delinqüência financeira e política, sustenta que tem umas 40 horas de fitas, onde muita gente, inclusive Jango fala sobre conteúdos ainda mais misteriosos do que os seus próprios assassinatos. Tais fitas ainda não foram lidas. O ex-agente de crimes políticos quer dinheiro para mostrar o que diz que tem. Mas, uma coisa parece estar coerente do que depreendeu da conversa de Anna Lee com o uruguaio: Goulart foi morto a pedido do Brasil. Segundo o uruguaio, a autorização para o envenenamento de Jango partiu do General Geisel (1908-1996) e foi transmitida a Fleury, que acertou os detalhes da criminosa operação chamada de “Escorpião”, com o serviço de inteligência do Uruguai, detalhes da operação, chamada Escorpião, que teria sido acompanhada e financiada pela CIA. Cony, Um dos mais respeitados escritores brasileiros, eleito imortal da Academia Brasileira de Letras, dedicou-se á construção do texto “O Beijo da Morte” durante um ano em co-parceria dom a doutoranda em Jornalismo carioca, Anna Lee.