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domingo, 22 de junho de 2014

HAVERÁ O DIA EM QUE A CIÊNCIA DARÁ AS MÃOS A RELIGIÃO.

Religião trata de verdades científicas, as quais não se pode provar em laboratório, e ciência tratada verdades científicas que podem ser provadas em laboratório, entretanto chegará o dia como diz Paulo(O apóstolo), em que os mistérios serão revelados e então veremos face a face.




Moreira-Almeida, Alexander . Mitos históricos sobre a relação entre ciência e religião. Revista de Psiquiatria Clínica (USP. Impresso) , v. 36, p. 252-253, 2009.

Mitos históricos sobre a relação entre ciência e religião


Historical myths about the relationship between science and religion


Alexander Moreira-Almeida
Professor adjunto de Psiquiatria e Semiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Diretor do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da UFJF, Juiz de Fora, MG

As pesquisas na área de espiritualidade e saúde têm crescido de modo intenso ao longo da última década, no entanto o avanço de pesquisas e debates frutíferos nessa área é muitas vezes prejudicado pelos preconceitos existentes em ambos os lados da discussão entre espiritualidade e medicina1, bem como por alguns mitos históricos de confronto entre psiquiatria e religião2

Essas dificuldades para o avanço no entendimento da relação entre espiritualidade e saúde parecem sofrer grande influência de uma crença mais ampla, a da existência de uma incompatibilidade e animosidade históricas entre religião e ciência. Aqui entra a importância do livro em análise.

Estudos mais recentes em história da ciência têm revelado a existência de muitos mitos tidos por décadas como verdades incontestáveis. Atualmente, toda pessoa medianamente intelectualizada "sabe" que religião e ciência estão e sempre estiveram em perene conflito e que as instituições religiosas sempre se constituíram em obstáculos ao desenvolvimento científico. 

NICOLAU COPERNICO
Entre os muitos exemplos citados em apoio a tais conclusões, estão: a igreja cristã medieval defendia que a Terra era plana, suprimiu o crescimento da ciência e proibiu a dissecção de cadáveres; Giordano Bruno foi queimado pela inquisição por defender a teoria heliocêntrica de Copérnico; Galileu era um inimigo da religião que foi torturado pela inquisição; o renascimento e a ciência moderna surgiram como uma oposição a uma visão religiosa da vida e do mundo; Darwin tornou-se materialista em razão de seus estudos em torno da evolução por seleção natural.

FOTO DE GIORDANO BRUNO QUEIMADO NAS FOGUEIRAS DA SANTA INQUISIÇÃO.
A 22 de Junho de 1633 Galileu é forçado a negar perante o tribunal da Santa Inquisição várias das suas convicções científicas; este é sem dúvida o episódio emblemático da oposição à liberdade do pensamento científico. No entanto, se a causa próxima para este julgamento foi a publicação no ano anterior do seu livro "Diálogo sobre os dois grandes sistemas do Mundo", é preciso recuar aos princípios do século XVII para se perceber um pouco melhor o que se terá passado.

O pensamento então dominante era de que o Universo era constituído por dois tipos de corpos. No primeiro grupo incluíam-se todos os que se deslocam entre a Terra imóvel e a órbita da Lua modificando-se continuamente; animais, flores e seres humanos, mas também rios e nuvens.

Os planetas e as estrelas integravam a outra família tendo sido criados por Deus segundo uma ordem perfeita e por Ele dispostos num Cosmos imutável. Qualquer desvio em relação a esta forma de pensar era severamente punida como bem ilustra a morte em 1600 de Giordano Bruno queimado em Roma nas fogueiras da Inquisição.

Dois acontecimentos induzem então Galileu a realizar uma série de observações dos astros que o levam a opor a esta imagem mítica do Cosmos um Universo onde as leis da Física e da Matemática dominavam:- o aparecimento de uma supernova em Outubro de 1604 cuja luminosidade, após ter atingido rapidamente um valor máximo decresceu até desaparecer no final de 1605;- a utilização da luneta a partir de 1609 que lhe revelou aspectos impossíveis de observar até então, em especial da Lua, de Vénus e de Júpiter. Destas observações resulta a publicação em 1610 daquele que é considerado um dos livros mais influentes de sempre, o "Mensageiro Celeste".

O conflito com as visões cosmológicas tradicionais tornou-se inevitável. Segundo a cosmologia então aceite tendo Deus criado um Universo celeste perfeito, uma estrela não podia nascer, emitir uma luminosidade com uma intensidade crescente durante alguns dias (que chegou a ser comparável à de Vénus) e depois começar a enfraquecer até se extinguir passados alguns meses. Galileu verificou que a nova estrela não se deslocava em relação às outras e que por isso não poderia pertencer à família dos fenómenos meteorológicos e sublunares; tratava-se por isso de uma verdadeira estrela o que levou a concluir que os corpos celestes não eram imutáveis.

Essa visão de que a religião habitualmente se constitui em um entrave ao avanço da ciência é uma ideia que ainda persiste de modo muito forte, principalmente nos meios mais intelectualizados. Tal perspectiva provavelmente explica boa parte da hostilidade algumas vezes vista entre cientistas e religiosos, bem como o debate geralmente acalorado sobre religião e ciência, debate habitualmente repleto de emoções, palavras de efeito e ideologias, mas muitas vezes esvaziado de racionalidade, equilíbrio e evidências empíricas. 

Entretanto, há vários anos historiadores da ciência vêm demonstrando que os "fatos" supracitados como exemplos do contínuo conflito entre religião e ciência são alguns dos muitos mitos relacionados ao tema. Tem sido percebido que esses relatos são mais propaganda do que história, uma narrativa que surgiu e tomou força no final do século XIX. Entretanto, as conclusões dessa revisão histórica contemporânea raramente têm extrapolado a torre de marfim dos historiadores da área e pouco têm chegado ao conhecimento do restante da comunidade acadêmica e da população em geral.

Este é o grande mérito do presente livro publicado pela editora da Universidade de Harvard: reunir em apenas um conciso livro os principais resultados dos estudos contemporâneos sobre as relações históricas entre religião e ciência no Ocidente. A obra foi organizada por Ronald L. Numbers, que tem ampla experiência tanto em história da religião como da ciência. O autor foi presidente tanto da History of Science Society quanto da American Society of Church History e atualmente é presidente da International Union of the History and Philosophy of Science. O organizador contou com a colaboração de 24 outros destacados pesquisadores acadêmicos na área de história e filosofia da ciência e da religião. Cada um dos 25 curtos capítulos do livro é dedicado a um mito específico sobre religião e ciência. Em cada capítulo, encontra-se uma breve contextualização do surgimento do mito, seus desdobramentos e sua persistência até os dias de hoje e, naturalmente, a demonstração da falsidade do mito com base nos achados das mais recentes pesquisas historiográficas. 

Para os interessados em maior aprofundamento em qualquer um dos tópicos abordados, os autores oferecem notas com uma farta bibliografia de estudos históricos recentes que embasam as conclusões do livro. Naturalmente, muitas das conclusões da obra podem ser passíveis de discussão entre pesquisadores, mas, sem dúvida, a obra contribui para fomentar o debate, estimular a pesquisa em fontes históricas primárias e um maior rigor na análise do que tem sido publicado sobre o tema.

Nesse livro, percebe-se que as relações entre religião e ciência, ao longo da história, têm sido muito mais intensas e frequentemente muito mais frutíferas do que se poderia imaginar. Para o leitor muitas vezes surpreso, descobre-se, entre outras coisas, que a igreja católica foi uma das instituições que mais fomentou a ciência ao longo da história, que a igreja medieval criou dezenas de instituições duradouras para formação e debates intelectuais da tradição médico-científica grecoarábica (as universidades), que muitos dos principais líderes da revolução filosófico-científica do século XVII (Copérnico, Galileu, Kepler, Newton, Descartes, Robert Boyle, Andrea Vesalius, Marcello Malphigi etc.) eram, pelo menos em parte, movidos por convicções espirituais em suas buscas intelectuais e científicas. 

A presente edição da Revista de Psiquiatria Clínica publica um artigo do editor do livro, Ronald Numbers3, no qual se discutem brevemente alguns mitos que são abordados no decorrer da obra em análise. Como esses mitos têm influenciado também nossa percepção da história da medicina como um todo e da psiquiatria em especial, essas discussões têm um vivo interesse para os profissionais e pesquisadores na área da saúde.

Assim, o recém-lançado Galileo goes to jail and other myths about science and religion é uma contribuição de qualidade e muito bem-vinda para a elevação do nível das discussões sobre espiritualidade e saúde e uma melhor compreensão das complexas relações históricas entre duas seculares senhoras muito distintas e influentes: ciência e religião.

Referências
1. Moreira-Almeida A. Espiritualidade e saúde: passado e futuro de uma relação controversa e desafiadora. Rev Psiq Clín. 2007;34(supl 1):3-4.         [ Links ]
2. Moreira-Almeida A, Neto FL, Koenig HG. Religiousness and mental health: a review. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28(3):242-50.         [ Links ]
3. Numbes RL. Mitos e verdades em ciência e religião: uma perspectiva histórica. Rev Psiq Clín. 2009;36(6):246-51.         [ Links ]



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