A Vale do Rio Doce, foi vendida por pouco mais de 2 bilhões de reais. A diferença foi paga em moeda podre. No ano seguinte daria um lucro de 6 bilhões.
Às 17h42, o leiloeiro da Bolsa de Valores do Rio, Frederico Runte
Jr., bate o martelo, encerrando a venda do controle acionário da maior
mineradora de ferro do mundo, a Companhia Vale do Rio Doce, por R$ 3,3
bilhões.
ATÉ O INIMIGO RECONHECE. |
Adiado por oito dias, devido a liminares concedidas pela
Justiça a uma avalanche de ações que pediam a suspensão da venda da
estatal, o leilão foi iniciado às 12h11, mas ficou suspenso por cinco
horas, tempo necessário para que os advogados do governo e do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), coordenador do
programa de privatização, derrubassem as duas últimas medidas liminares
que o impediam. Mas bastaram 13 minutos para que fosse dado o último
lance.
Venceu o Consórcio Brasil, liderado pelo grupo Vicunha, que
cinco anos antes, no governo de Itamar Franco, adquirira a estatal
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Integravam também o grupo vencedor
a Previ e outros fundos de pensão de estatais e fundos de
investimentos. Foi derrotado o consórcio Valecon, liderado pelo
empresário Antonio Ermírio de Moraes, franco favorito na disputa até o
último minuto.
Na praça XV, em frente à Bolsa do Rio, os
manifestantes contrários à venda se envolveram em dois episódios de
conflito com a polícia. No primeiro, duas pessoas ficaram feridas; no
segundo, sete.
Quando, após o leilão, o ministro do Planejamento,
Antonio Kandir, simbolicamente bateu novamente o martelo, uma outra
liminar já havia suspendido os efeitos do leilão. A venda só foi
concretizada quatro dias depois, com a entrega de um cheque de R$
3.1999.974.496,00 ao governo pelo presidente da CSN, Benjamin
Steinbruch. O fato foi festejado como o maior resultado desde o início
das privatizações. A diferença entre o cheque e o valor total do leilão
foi destinado ao pagamento de sócios minoritários. A partir daí, o
governo transferia o controle da histórica companhia de capital misto
criada em 1942 por Getúlio Vargas para um consórcio liderado pela CSN.
A
Vale era, então, a maior exportadora de minério de ferro do mundo e
controlava dezenas de empresas nos setores de mineração, navegação,
portos, celulose e madeira. Tinha em caixa R$ 700 milhões, deduzidas as
despesas com a demissão de mais de mil funcionários, feita para livrar o
comprador dessas obrigações trabalhistas.
A disputa judicial em
torno da venda da Vale, todavia, não foi encerrada com a quitação da
compra. Em 2015, ainda existiam em tramitação na Justiça cerca de 70
ações de anulação da venda. As ações haviam sido suspensas pelo ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, em 2010. O ministro
argumentou que elas não poderiam ser julgadas em primeira instância
enquanto a Suprema Corte não se pronunciasse sobre o mérito de embargos
declaratórios feitos pelo BNDES e de um agravo regimental da Vale
privatizada. As ações só voltarão para julgamento em primeira instância
depois dessa decisão.
O cheque bilionário de Steinbruch também não
encerrou a oposição à privatização da hoje segunda maior mineradora do
mundo – não apenas de ferro, mas de níquel, carvão, cobre, manganês e
ferroliga. Dez anos depois, num plebiscito informal convocado por
movimentos e pastorais sociais e partidos de esquerda votaram 3.729.538
brasileiros e 94,5% se declararam a favor da reestatização da empresa.
A
venda da Vale foi a primeira da segunda fase do programa de
privatização do governo Fernando Henrique Cardoso. Antes dele, Collor
havia privatizado 12 empresas, e Itamar Franco, 9. Depois da Vale, o
governo FHC fez a desestatização de empresas de infraestrutura e da
Telebrás.
As ações judiciais contra a privatização da Vale
apontavam várias irregularidades no processo, a começar da avaliação da
empresa. Duas instituições foram escolhidas para definir o preço mínimo
de compra, o Bradesco e a Merril Lynch. Após definição do preço, o
Bradesco foi autorizado pelo BNDES a participar do leilão como
financiador da CSN. A avaliação que definiu o preço mínimo de venda usou
apenas o critério de fluxo de caixa e desprezou as reservas de ferro
exploradas pela companhia.
Dois anos antes, a Vale havia informado
à Securities and Exchange Comission, dos Estados Unidos, que suas
reservas de minério de ferro em Minas Gerais totalizavam 7,918 bilhões
de toneladas. O edital de privatização dizia que era apenas 1,4 bilhão
de toneladas. Para a instituição americana, em 1995, a Vale declarou que
detinha 4,97 bilhões de toneladas de reservas no Pará. O edital acusava
apenas 1,8 bilhão de toneladas.
Além disso, houve uma
questionável participação do BNDES, coordenador da privatização, na
formação do consórcio vencedor, que impediu os fundos de pensão das
estatais de integrarem o consórcio de Antonio Ermírio.
O Consórcio
Brasil apenas venceu o leilão porque nele estavam os fundos de
estatais, especialmente a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil.
Após a venda, transformou-se na empresa Valepar, que passou a ter a
seguinte composição: a Litel (que reúne os fundos de pensão das
estatais) participava com 43%; a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN),
de Benjamin Steinbruch, com 16,3%; a Bradespar, com 17,4% (que no
consórcio, via Bradesco, era financiador da CSN); a Mitsui, com 15%; o
BNDESpar, com 9,5%; e o grupo Elétron, do Grupo Opportunity, com 0,03%.
Em
2001, por acordo de acionistas, foram descruzadas as ações da CSN e da
Valepar, que resultaram na saída de Steinbruch da empresa controladora
da Vale. Isso resultou no aumento da participação do governo na Valepar:
a soma das ações da Litel e do BNDESpar representam hoje 60,5% de seu
capital.
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