CÁSSIA (por Fernando Toledo)
Você pode baixar o video "TRIBUTO A FERNANDO TOLEDO" Clicando aqui ou no link abaixo.
Pegando carona na idéia genial do meu irmão Szegeri, que reeditou um texto também genial do igualmente genial e saudoso Fernando Toledo, faço o mesmo aqui, hoje, no Buteco, transcrevendo o que ele escreveu, em 04 de janeiro de 2002, na revista “Sentando o Cacete”, que mantínhamos na grande rede. Ele fecha o texto, chamado “Cássia”, dizendo um “tchau” pra Cássia Eller, morta precocemente em dezembro de 2001. Estão os dois, agora, enchendo a cara por aí.
“A sensibilidade é algo curioso: ao mesmo tempo em que é o canal que nos permite acessar o mundo, apreendê-lo, senti-lo e captá-lo, ao mesmo tempo é um veneno que pode, em altas doses, fazer com que o mesmo se apresente como um caos doloroso e incompreensível, machucando-nos a cada instante, sem dar um segundinho sequer de colher-de-chá: um rolo compressor recoberto de espinhos incandescentes a passar de forma ininterrupta, promovendo uma verdadeira overdose sensorial.
Àqueles atingidos por esta praga, restam poucas opções: se embotar como seres humanos, ignorando propositalmente a existência da mesma, se tornando a cada dia menos e menos humanos, se coisificando, enfim, ou buscar um alívio qualquer, algo que faça a tempestade sossegar um pouco e que dê um pouco de mansidão às ondas. E que possa proporcionar um pouco de tranqüilidade interior (mesmo que forjada), de forma a ordenar um pouco a linguagem e tornar inteligível o discurso – até para si mesmos.
TRIBUTO A FERNANDO TOLEDO - NO CLUBE DE ENGENHARIA
A obra de Arte é exatamente a ordenação do caos interior, das ondas desconexas, sob a forma de um discurso estético, captável pelo público e a crítica. A tradução do Universo externo ao artista, transmutado por suas idiossincrasias específicas, e devolvido, após esta transmutação, ao tal do Universo – cabendo a este aprová-lo esteticamente ou não, apreciá-lo, julgá-lo, ou, simplesmente, ignorá-lo. A angústia, ou seja, o motor que operou essa reação química, esta transformação do Universo Real (comum a todos) em Universo Verdadeiro (aquele em que crê o artista criador, o que ele sente), não pode, nunca, ser totalmente tocada pelo público consumidor. Apenas sua conseqüência (ou seja, a obra final) é oferecida, sendo, pois, esta angústia, apenas possível de ser pressentida – e nunca, em toda a sua dimensão, compreendida ou vivida por parte do público.
A verdadeira angústia é sempre uma incógnita.
Muitas vezes esta angústia se mostra, para o seu possuidor, algo incomensurável, o tal rolo compressor citado no primeiro parágrafo. Nestas ocasiões, o artista experimenta o desespero, a incapacidade de se ordenar, de continuar respirando em um meio que se afigura ininteligível, e que considera este seu mesmo desespero como também ininteligível. E daí surge sua inadequação, sua necessidade de um paliativo qualquer, de um flit paralisante que possa fazer as coisas sossegarem um pouco e adquirirem até um certo sentido. Temperamentos radicais, atitudes extremadas e/ou auto-destrutivas, álcool, drogas et um monte de coeteras muitas vezes são utilizados com este fim. E o artista passa por simples porra-louca, visto que os motivos que gritam em seu interior são apenas seus: são, como disse antes, incógnitas para os que o cercam.
A inadequação aumenta à medida que, paradoxalmente, se busca minimizá-la. E cresce a bola de neve. Não quero ser leviano e afirmar que as drogas tenham sido o motivo da morte de Cássia Eller: conversei com um neurologista e ele me disse que, daqui do lado de fora, sem exames, laudos etc., seria impossível aventar possibilidades. Quero apenas tentar compreender a Cássia, tentar pelo menos roçar de leve seu inferno interior, ouvir pelo menos o sussurro de seus gritos de angústia. Dar um pequeno aceno de mão e poder dizer que sim, Cássia, eu entendo. Lamento profundamente, chego a ficar puto com o acontecido, mas não com você. Que lamento que tenhamos nos distanciado tanto de nossa sensibilidade que nos seja extremamente difícil esse vislumbre de compreensão; que o mesmo requeira teorizações e uma enorme quebração de cuca, quando o natural seria que, simplesmente, erguêssemos um copo de cerveja em sua homenagem e brindássemos à sua Arte, a sua atitude, a sua extrema liberdade, ousadia e coragem, enfim.
Em vez disso, ficamos por aqui consultando alfarrábios em nossos escritórios e, hipocritamente – de leve, para que ninguém perceba –, morrendo de inveja de todas essas suas qualidades.
Tchau, Cássia.”
E
até, digo eu.
Assíntotas - Fernando Toledo
dom, 16/02/2014 - 00:49
SEXTA-FEIRA, JUNHO 24, 2005
Fernando Toledo
Assíntotas
Simplicidade e complexidade são dois termos que, embora se assemelhem a conceitos paradoxais, podem coexistir perfeitamente. A singela beleza de uma rosa, de um pôr-do-sol, de uma única das milhões e milhões de ondas que se quebram em todas as praias e arrecifes do mundo neste momento, traz em si a carga de todo um universo, com suas leis e miríades de inter-relações que parecem, a olho nu, afetar o mecanismo mesmo destas leis.
Como compreender o motivo pelo qual um único espermatozóide, entre milhões numa corrida louca; entre milhões de corridas loucas perpetradas, neste mesmo instante, em úteros de todo o mundo, possa fecundar um único óvulo e gerar ora um Marx, ora um Goebbels, ora um Joyce e ora um Paulo Coelho?
Aos olhos da régua de um metro, o metro em si é um mistério insolúvel – como estabelecer parâmetros para a compreensão de nossa própria compreensão? Daí a profundidade das pequenas coisas, imperceptíveis na maioria do tempo por aqueles mergulhados, embebidos e parte mesmo destas pequenas coisas.
Os seres humanos, estes fenômenos contados hoje aos bilhões e, contudo únicos em si, já foram, um dia, em sua imensa maioria, extremamente simples e extremamente complexos. Simples porque o alcance de seu dom de transformação da natureza era limitado por condições até mesmo geográficas, no tocante à disseminação e troca de informações acerca da transformação da natureza: ou seja, transformavam o que lhes era necessário e compreensível em determinado instante, sob determinada condição local, e – humanos que eram – transmitiam estas informações entre si, estabelecendo pois o que se chama de Cultura: conjunto de coisas que lhe permitem saber de onde veio, o que é e, mesmo, ter um vislumbre – por meio do conhecimento do conjunto – de onde se poderá chegar.
A Cultura é o Passado presente no Futuro e o Futuro que está em potencial no Passado. Desta forma, a "simplicidade" citada lá em cima, funcional para certo espaço geo-social, também não se afigura assim como tão "simples", apenas como aparentemente, a nossos olhos desdenhosos de hoje, como mais tosca.
Reunidos ao redor de fogueiras, seres humanos se reuniam e trocavam experiências. Posteriormente, chegavam os barcos de terras distantes, não interessa se fenícios ou cretas, trazendo novas descobertas, novos conhecimentos. Mais tarde, barcos de regiões mais remotas e geograficamente distantes se aconchegaram, assim como caravanas que nem mesmo sabiam a que ponto de destinavam. E as narrativas nasciam, passadas de ser humano para ser humano, fosse através da tradição puramente oral, ou na forma dos escritos que viriam a constituir a História ou a Mitologia. Sempre de homem para homem, mesmo quando nasceram os impérios e criou-se um distanciamento entre indivíduo e liderança. Pois que a informação servia a um fim, era apenas um meio, e não uma imensa máquina a servir a si mesma, como que a perpetuar-se por geração espontânea.
Pode-se discutir em que ponto houve esta ruptura: com o advento da imprensa? Discordo. A imprensa em si apenas ampliou o alcance dos trovadores. A informação continuava a ter caráter humano, mesmo quando alegoria (tal qual como nos ditos escritos sagrados de todas as religiões): ainda trazia em si o gérmen de toda uma espécie à parte, a única poder se organizar e transformar, de forma efetiva, a natureza. Talvez o ponto de mutação tenha se dado quando o conceito de natureza se esvaziou, ou seja, a partir da segunda metade do século XX.
Não se trata de atirar a culpa, através de uma leitura rasteira de Adorno, na reprodutibilidade. Esta, em si, nada mais é que o conceito de imprensa aplicado a todas as formas de Saber e de Cultura. Por si só, é uma reles ferramenta, útil como todas as ferramentas. O problema é quando a reprodutibilidade ganha vida autônoma, e engole irremediavelmente o objeto reproduzido.
Quando os modernistas destruíam discursos estéticos, poder-se-ia dizer que, em uma primeira instância, tratava-se de uma iconoclastia pura e simples: destruir por destruir, e aqui cito o caso do artista do grupo de André Breton que, em uma palestra, elaborou uma pintura a giz num quadro-negro para em seguida apagá-la. Acontece que tal atitude dadaísta revelou-se uma canibal de si mesma, pois, esvaziada completamente do discurso, o que seria a obra de Arte? E os modernistas desejavam, sim, criar. Eram artistas legítimos. Por isso, com raras exceções, todos migraram para um processo em que, aplicando-se as conquistas obtidas a partir da iconoclastia, construíram-se obras de Arte verdadeiramente belas. Exemplos crassos são os de Mattisse, Breton, e, até mesmo, Picasso, que não era surrealista estrito.
Tal só foi possível porque não se buscava a extinção, a anulação do princípio humano, mas sim uma oposição entre visões do mundo, assim do tipo "os malucos contra os caretas". Na época, funcionou.
No entanto, após a década de cinqüenta, o discurso modernista já apresentava sinais de cansaço, e surgiram duas vertentes: uma buscou uma volta ao passado (vide Stravinski em sua fase neoclássica, e os neo-sonetistas), outra radicalizou e transformou o meio no fim, extirpando o fator "mensagem" da equação. Nada precisava significar nada, e o industrial, o ready-made duchampsiano (apesar dos propósitos do Duchamps serem bem diferentes) tomou conta. Tudo poderia ser Arte, tudo poderia ser Cultura – o que equivale a dizer que o Nada também o poderia ser. E o Nada, por ser mais fácil de produzir, mais acessível à mediocridade, apoderou-se da premissa e fez sua entrada triunfal e multicolorida. Nada mais de oposições: como não há conteúdo no discurso, ou, mesmo, como abole-se o conceito de discurso, todas as justaposições são possíveis, resultando naquilo que o teórico Jair Ferreira dos Santos chama de zero patafísico: a extinção do "ou" e a ascensão do "e". Não tem mais sentido ser ateu ou religioso: pode-se ser agnóstico e sacrificar morangos em altares no canto de apartamentos; pode-se criar uma nova ordem religiosa altamente cristã que permita o canibalismo e o homossexualismo; pode-se autoproclamar criptocomunista e ter um bom cargo na empresa do papai. Toda esta série de "e"s conduz ao signo sem significado. E tal visão do mundo tornou-se massificadora por meio de meios como a televisão, internet, e sabe-se mais que bicho vai aparecer por aí.
A televisão é signo puro: suas imagens e sons não têm relação real com o significante nem transmitem algum significado, na maneira como é utilizada hoje. De meio de comunicação torna-se um obstáculo para a mesma, isolando pessoas mesmo quando estas sentam-se lado a lado. Somente alguém embotado por ela pode ter uma atitude como é muito comum nos dias correntes: receber amigos em frente à telinha e permanecerem, anfitriões e visitantes, degustando as pífias aventuras da fulaninha de biquíni por entre as passarelas da Barra da Tijuca, enquanto a mãe da fulaninha, manicure de subúrbio, aproveita os finais-de-semana vendendo alface na feira – claro, até o dia em que Rodolfo Leopoldo, rico industrial de meia-idade, frustrado em seu primeiro casamento, descobre a verdadeira beleza interior (aquela localizada entre as dobras do joelho e o colo do útero, exacerbada pelos hábeis maquiadores globais) da pobre feirante, e a pede em casamento. E todas estas aventuras e desventuras ocorridas em reinos completamente virtuais, e absurdamente distantes do universo que rodeia a dita roda de amigos reunida em torno do aparelho, os absorve de tal maneira que esquecem-se mesmo que, como amigos, estariam reunidos para darem-se entre si como humanos, e não recolherem-se em esferas tão consistentes quanto bolas de sabão, apenas para usar um clichê bem ao gosto dos redatores do meio televisivo. E a internet radicaliza ainda mais, excluindo mesmo a roda em torno do ícone na sala, multiplicando-se em ícones customizados distantes entre si, individualizados ao extremo, em seus milhões de pontos mundo afora. Perpetra-se a ilusão do vizinho em detrimento da capacidade de aproximar-se de forma efetiva do mesmo.
O mesmo pode ser dito quanto a religiões e seitas que pululam como larvas de mosquito por aí: em vez de se procurar o reencontrar de um conteúdo comum, quase que atávico, a todo ser humano personalizam-se as vertentes. Tanto de pode seguir o Budismo Aramaico da Martinica quanto o Protestantismo Evangélico da Escritura das Sagradas Almôndegas ao Sugo. Tudo vale, desde que seja "mais a ver com meu eu, sabe, um negócio que fala mais dentro de mim" – o importante é a primeira pessoa, e se esta for do singular, melhor ainda. E exemplos poderiam ser dados em termos de profissões, gostos gastronômicos ("O quê? Você nunca provou meu "Filet a Mim Mesmo"?) etc. E, no fundo desta ilusão, pensamos agir como exceções no rebanho, quando na verdade tornamo-nos mais e mais impessoais e vazios. Digerimos engodos imaginando estarmos nos tornando a cada dia mais únicos, o que é falso.
Acabamos por nos assemelhar às Marylins de Andy Warhol, não passando mesmo de silk-screens imperfeitos de modelos inexistentes na Realidade.
É difícil saber o que gerou o que, mas pode-se ter certeza que os fatores citados são multiplicadores, ferozes extintores em massa das antigas fogueiras e lampiões: o que nos afasta, cria muros e faz com que, a cada dia, o conceito do humano se torne cada vez mais forma e menos conteúdo. E caminhando, como retas idênticas, contudo assíntotas, rumo a um Nada que pode ser tudo, menos inócuo, à sua chegada.
Fernando Toledo
Eu - Não existe coisa mais sofrida que a ausência de outros seres, as minhas são irreflexões por mais do equívoco, assim sempre paira uma interrogação se, distancia e nesta lacuna entre os mundos. A realimentação em si do corpo e a razão nos pergunta literalmente como se faz, escolhemos e lemos livros, foi. O conviver simples nas feiras de ruas semanais e dos encontros sem presa, de um teatro ao vivo com peça nova onde as cenas passadas não serão jamais vistas. Fernando foi confusão complexo mais absoluto. Mais uma das suas lembranças.
QUARTA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2006
De botequins e academias
Fernando Toledo*
Sempre que chego em uma cidade que não conheço, a primeira coisa que faço é correr para um pé-sujo, local onde a verdadeira face da cidade em questão me é sempre revelada. Ficar trancado no hotel ou seguir as recomendações da VEJA nunca foi um bom caminho para se conhecer uma cidade, em seus aspectos humanos. Por falar nisso, foi um dos motivos pelo qual detestei Guarulhos: não tem botequim no centro da cidade. Ô lugarzinho chato!
Qualquer estabelecimento com registro no CNPJ, ou CGC, ou CNPq, ou CNPQP pode vir a ser um "centro cultural". Acontece apenas que os botequins, por serem, por definição, locais dedicados única e exclusivamente a um processo de relaxamento coletivo, talvez sejam os lugares mais adequados para que o ser humano promova um reencontro consigo mesmo, e, consequentemente, como seu próximo, viabilizando, desta forma, a manifestação da criação que é, em última análise, o próprio cerne da Arte.
Quando digo relaxamento coletivo, digo que é um local onde as pessoas tendem (note bem o TENDEM) a largar suas mascarazinhas de empresário, contínuo, varredor de ruas, escritor et um monte de coeteras e se manifestarem apenas como seres humanos, uns para outros. Quem não é capaz de compreeender isto é indigno de entrar num botequim e participar em igualdade da confraria ali estabelecida.
Academização é quase que sinônimo de torre-de-marfim (apud Edmund Wilson), de elitização, de impedimento de acesso, por parte do povo, da Cultura. Ao passo que um botequim, por pior que seja, é sempre um ponto onde individualidades se encontram e, até mesmo, se interpenetram (sem viadagem), o extremo oposto do meu conceito de Academia. Para mim, parece óbvio que é muito mais fácil atingir a compreensão do ser humano em um botequim do que numa "academia".
Paulo Mendes Campos, em uma crônica chamada "Os Bares Morrem Numa Quarta-Feira", tece uma comparação interessante. Diz que o Kafka imaginava uma conto como seguinte enredo: uma festa à qual várias pessoas comparecessem, sem que nenhuma tivesse sido convidada, ninguém se conhecesse, e onde, contudo, o convívio se estabelecesse, com todas os seus aspectos positivos e negativos. Paulo Mendes Campos dizia que essa festa já existia, e eram os bares do Rio. No que concordo em gênero, número e grau.
* devidamente editado por este impronunciável xará, a partir de trechos pinçados de uma mensagem deixada na saudosa Tribuna do Samba & Choro
Fernando Toledo*
Sempre que chego em uma cidade que não conheço, a primeira coisa que faço é correr para um pé-sujo, local onde a verdadeira face da cidade em questão me é sempre revelada. Ficar trancado no hotel ou seguir as recomendações da VEJA nunca foi um bom caminho para se conhecer uma cidade, em seus aspectos humanos. Por falar nisso, foi um dos motivos pelo qual detestei Guarulhos: não tem botequim no centro da cidade. Ô lugarzinho chato!
Qualquer estabelecimento com registro no CNPJ, ou CGC, ou CNPq, ou CNPQP pode vir a ser um "centro cultural". Acontece apenas que os botequins, por serem, por definição, locais dedicados única e exclusivamente a um processo de relaxamento coletivo, talvez sejam os lugares mais adequados para que o ser humano promova um reencontro consigo mesmo, e, consequentemente, como seu próximo, viabilizando, desta forma, a manifestação da criação que é, em última análise, o próprio cerne da Arte.
Quando digo relaxamento coletivo, digo que é um local onde as pessoas tendem (note bem o TENDEM) a largar suas mascarazinhas de empresário, contínuo, varredor de ruas, escritor et um monte de coeteras e se manifestarem apenas como seres humanos, uns para outros. Quem não é capaz de compreeender isto é indigno de entrar num botequim e participar em igualdade da confraria ali estabelecida.
Academização é quase que sinônimo de torre-de-marfim (apud Edmund Wilson), de elitização, de impedimento de acesso, por parte do povo, da Cultura. Ao passo que um botequim, por pior que seja, é sempre um ponto onde individualidades se encontram e, até mesmo, se interpenetram (sem viadagem), o extremo oposto do meu conceito de Academia. Para mim, parece óbvio que é muito mais fácil atingir a compreensão do ser humano em um botequim do que numa "academia".
Paulo Mendes Campos, em uma crônica chamada "Os Bares Morrem Numa Quarta-Feira", tece uma comparação interessante. Diz que o Kafka imaginava uma conto como seguinte enredo: uma festa à qual várias pessoas comparecessem, sem que nenhuma tivesse sido convidada, ninguém se conhecesse, e onde, contudo, o convívio se estabelecesse, com todas os seus aspectos positivos e negativos. Paulo Mendes Campos dizia que essa festa já existia, e eram os bares do Rio. No que concordo em gênero, número e grau.
* devidamente editado por este impronunciável xará, a partir de trechos pinçados de uma mensagem deixada na saudosa Tribuna do Samba & Choro