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quarta-feira, 1 de novembro de 2017

TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL EXISTE E TEMER QUER LEGALIZA-LO


Levantamento mostra presença de empreiteiros entre a maioria dos empregadores, composta por fazendeiros e empresários do agronegócio. Irmão de senadora Kátia Abreu, que estava na lista divulgada pela Globo, é o único ausente na nova lista do MTE




Na última sexta-feira (27), o Ministério do Trabalho publicou nova versão da lista dos empregadores autuados por submeter trabalhadores a condições análogas a escravos. A publicação veio apenas após decisão judicial que obrigou a pasta a divulgar o arquivo – a última atualização oficial havia ocorrido em março deste ano. A Pública reuniu todos os 131 empregadores da lista no mapa abaixo, que batem com o arquivo divulgado em reportagem do Fantástico, exceto por uma ausência: o pecuarista Luiz Alfredo Feresin de Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), autuado em 2013 por empregar trabalho análogo ao escravo em três fazendas em Vila Rica, no Mato Grosso. Feresin cumpriu um Termo deAjustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e, pelas próprias regras do cadastro, teve seu nome retirado da lista.

stabelecimentos incluídos no cadastro do trabalho escravo

 Fonte: Cadastro de empregadores do Ministério do Trabalho




De todas as cidades brasileiras, Belo Horizonte é que tem mais empregadores listados no mapa: quatro são do setor de construção civil e mercado imobiliário e um, de restaurantes. Uma das empresas é a Garra Engenharia, autuada pelas condições de trabalho de cinco imigrantes baianos em uma obra. Eles viviam no próprio canteiro, em uma casa com janelas tampadas por chapas de madeira e uma porta improvisada com um colchão velho. Conforme o auto do MTE, durante o dia, recebiam água e comida –almoço e jantar –, mas, à noite e nos finais de semana, ainda no trabalho, tinham de tirar do bolso para comprar alimento. Disseram para eles que, se partissem em menos de dois meses, pagariam os exames médicos obrigatórios. Seria mais um gasto, além dos R$ 250 que cada um tinha pago ao homem que os trouxe da Bahia com a promessa de trabalho na obra em Belo Horizonte.


O diretor da empreiteira, João Nimer Filho, questiona a inclusão no cadastro e alega que os trabalhadores enfrentavam na Bahia condições mais degradantes. “Se você falar ‘João, o apartamento era uma maravilha?’. Não, não era uma maravilha. Mas longe de ser trabalho análogo ao escravo […] Araci, na Bahia, tem uma única fonte de renda, a palma para fazer o sisal, inclusive mutila muitas pessoas porque as máquinas são precárias. […] Eles disseram ‘não queremos ir embora porque Araci é R$ 10 por dia, quando tem serviço’” contrapõe.


Para o auditor fiscal do trabalho em Minas Gerais, Athos de Vasconcelos, a vulnerabilidade dos trabalhadores vindos de regiões pobres é explorada pelos empregadores – e o motivo porque se submetem a condições de trabalho precárias. “Historicamente há problemas [de trabalho análogo ao escravo] em áreas rurais, principalmente em áreas mais isoladas, mas, de uma década para cá, mais intensamente, começaram a aparecer esses casos na construção civil e na confecção, geralmente explorando trabalhador do próprio país, migrantes de regiões pobres, e também de trabalhadores imigrantes que chegam ao Brasil do Haiti, da Bolívia”, comenta.

Número de empregadores na lista do trabalho escravo por estado.

*Os Estados ausentes não tiveram empregadores listados no cadastro atual
Fonte: Cadastro de empregadores do Ministério do Trabalho


De todas as cidades brasileiras, Belo Horizonte é que tem mais empregadores listados no mapa: quatro são do setor de construção civil e mercado imobiliário e um, de restaurantes. Uma das empresas é a Garra Engenharia, autuada pelas condições de trabalho de cinco imigrantes baianos em uma obra. Eles viviam no próprio canteiro, em uma casa com janelas tampadas por chapas de madeira e uma porta improvisada com um colchão velho. Conforme o auto do MTE, durante o dia, recebiam água e comida –almoço e jantar –, mas, à noite e nos finais de semana, ainda no trabalho, tinham de tirar do bolso para comprar alimento. Disseram para eles que, se partissem em menos de dois meses, pagariam os exames médicos obrigatórios. Seria mais um gasto, além dos R$ 250 que cada um tinha pago ao homem que os trouxe da Bahia com a promessa de trabalho na obra em Belo Horizonte.


O diretor da empreiteira, João Nimer Filho, questiona a inclusão no cadastro e alega que os trabalhadores enfrentavam na Bahia condições mais degradantes. “Se você falar ‘João, o apartamento era uma maravilha?’. Não, não era uma maravilha. Mas longe de ser trabalho análogo ao escravo […] Araci, na Bahia, tem uma única fonte de renda, a palma para fazer o sisal, inclusive mutila muitas pessoas porque as máquinas são precárias. […] Eles disseram ‘não queremos ir embora porque Araci é R$ 10 por dia, quando tem serviço’” contrapõe.


Para o auditor fiscal do trabalho em Minas Gerais, Athos de Vasconcelos, a vulnerabilidade dos trabalhadores vindos de regiões pobres é explorada pelos empregadores – e o motivo porque se submetem a condições de trabalho precárias. “Historicamente há problemas [de trabalho análogo ao escravo] em áreas rurais, principalmente em áreas mais isoladas, mas, de uma década para cá, mais intensamente, começaram a aparecer esses casos na construção civil e na confecção, geralmente explorando trabalhador do próprio país, migrantes de regiões pobres, e também de trabalhadores imigrantes que chegam ao Brasil do Haiti, da Bolívia”, comenta.

Bruno Fonseca, da Agência Pública Na última sexta-feira (27), o Ministério do Trabalho publicou nova versão da lista dos empregadores autuados por submeter trabalhadores a condições análogas a escravos. A publicação veio apenas após decisão judicial que obrigou a pasta a divulgar o arquivo – a última atualização oficial havia ocorrido em março deste ano. A Pública reuniu todos os 131 empregadores da lista no mapa abaixo, que batem com o arquivo divulgado em reportagem do Fantástico, exceto por uma ausência: o pecuarista Luiz Alfredo Feresin de Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), autuado em 2013 por empregar trabalho análogo ao escravo em três fazendas em Vila Rica, no Mato Grosso. Feresin cumpriu um Termo deAjustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e, pelas próprias regras do cadastro, teve seu nome retirado da lista.


Fonte: Boa Informação | https://boainformacao.com.br


Para o auditor Athos de Vasconcelos, o número de empregadores listados por explorar trabalho escravo seria ainda maior caso houvesse recursos compatíveis com as necessidades de fiscalização. “A quantidade de casos é subnotificada, para usar uma terminologia da área de saúde. A nossa categoria está cada vez mais diminuída na quantidade. Ao longo dos últimos 20 anos, perdemos muitos quadros, a maioria deles por aposentadoria, e os governos não fizeram os concursos necessários para fazer a reposição. Quando se divulga uma lista com mais de 130 empregadores que cometeram esse crime, poderia ser muito maior”, avalia.


A coordenadora da fiscalização em Minas Gerais, Dolores Jardim, aponta uma queda na verba mais acentuada a partir de 2017. “A gente trabalhava com folga de recursos e agora temos que planejar ação por ação e pedindo esse recurso. A conta-gotas. Afetou a fiscalização de uma forma geral. Como o trabalho escravo utiliza mais, para viagens, foi o mais atingido”, pondera.

TRABALHADORES EM MINAS DE CARVÃO

O MTE afirmou à reportagem que “o combate ao trabalho escravo é uma ação prioritária da pasta” e que tem “remanejado recursos e buscado alternativas para a realização de ações”. O ministério ainda afirmou que em 2016 “foram realizadas 146 ações de combate ao trabalho escravo”.

Disputas pelo futuro da lista do trabalho escravo

A inclusão de empregadores no cadastro de trabalho escravo é questionada por organizações como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), para a qual empresas podem ser acusadas injustamente “em função de posições subjetivas e até ideológicas de fiscais”; pela Frente Parlamentar Agropecuária, que afirma que a legislação “permite compreensões distintas por parte dos fiscais responsáveis pela autuação, causando insegurança jurídica para o setor”; e pela própria direção atual do MTE, que afirmou que o cadastro de empregadores “deve coexistir com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório”.

A Pública conversou com uma fonte do MTE que pediu sigilo e afirmou que a lista mais recente, divulgada inicialmente pela Globo e, depois, publicada após sentença da Justiça do Trabalho do Distrito Federal, teria vindo a público neste momento caso a decisão coubesse ao ministro Ronaldo Nogueira (PTB). A assessoria do MTE não quis comentar a divulgação da lista pela Globo e afirmou que responde apenas pelas publicações oficiais.

De acordo com o procurador do trabalho da Coordenadoria Regional de Combate ao Trabalho Escravo do MPT do Pará, Roberto Ruy Netto, a Portaria 1.129 – que alterou os critérios para classificação de trabalho análogo ao escravo e os procedimentos dos auditores fiscais – excluiria boa parte dos empregadores que hoje figuram no cadastro e ainda poderia levar à não publicação de listas futuras. “Você não precisa ter o trabalhador acorrentado para caracterizar trabalho escravo […] basta ter uma condição degradante de trabalho, onde ele esteja alojado em barracões de lona, bebendo água que não seja potável. São trabalhadores que são aliciados em bolsões de pobreza com falsas promessas e muitas vezes acabam endividados porque já têm que pagar o transporte, a ferramenta; quando ele recebe o salário, já está endividado. A portaria vem justamente tentar descaracterizar essa situação: só é escravo agora se houver vigilância extensiva, se houver restrição da liberdade desse trabalhador. O trabalho degradante seria uma mera irregularidade trabalhista”, critica.

Para a procuradora da República e representante do Ministério Público Federal (MPF) na Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, Ana Carolina Roman, a disputa em torno da inclusão de empregadores no cadastro é a pauta principal dos empregadores acusados de trabalho escravo.“Ficou muito claro: a preocupação do setor produtivo não é com a condenação administrativa, não é com a condenação criminal, é com a lista suja. A lista é o coração da política de combate [ao trabalho escravo]. É a lista que vai rescindir crédito, que vai deixar mal a empresa perante importadores, o setor produtivo, os consumidores”, analisa. A Portaria 1.129 está atualmente suspensa por decisão monocrática da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber. A decisão deve ser julgada em votação no plenário do tribunal.



Portaria publicada em 17/10/2017 pelo Ministério do Trabalho estabelece novas regras para a caracterização de trabalho análogo ao da escravidão e para atualização do cadastro de empregadores que tenham submetido pessoas a essa condição, a chamada lista suja do trabalho escravo. O tema repercutiu entre os deputados desde a abertura dos debates em Plenário.

Roberto de Lucena
Autor do projeto que determina a cassação do CNPJ de empresas que façam uso do trabalho escravo, Roberto de Lucena, do PV de São Paulo, considera uma afronta ao Código Penal e a convenções da OIT a portaria que altera regras sobre a prática. Para ele, é um equívoco que, sob alegação de regulamentar o seguro-desemprego, o combate à exploração no trabalho fique fragilizado.

DANIEL ALMEIDA
Daniel Almeida, PCdoB da Bahia, avalia que o governo promove um desmonte da legislação de combate ao trabalho escravo. Para o congressista, a política atual tem tido êxito, com o resgate de vários trabalhadores em situação análoga à da escravidão. O deputado informa que apresentou com um decreto de projeto legislativo para suspender a portaria do Ministério do Trabalho. Para Daniel Almeida, o texto do Executivo invade as prerrogativas do Congresso Nacional de legislar.

João Carlos Bacelar Batista
17 de outubro é o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Bacelar, do Podemos da Bahia, lembra que a data alerta para a necessidade de defender um direito básico do ser humano. Ele lamenta que o governo Temer se preocupe em reduzir esses direitos ao mudar, por exemplo, o conceito de trabalho escravo e a forma de divulgação da “lista suja”. Essa lista é uma relação de empresas e pessoas que contratam empregados em condições análogas à da escravidão. Para Bacelar, o Executivo atende a uma reivindicação da bancada ruralista.

Chico D’Angelo
O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho recomendaram ao governo Temer a revogação da portaria do governo que mudou as regras para a fiscalização do trabalho escravo. Chico D’Angelo, do PT do Rio de Janeiro, destaca que o Brasil já foi referência no combate à prática. Na opinião do parlamentar, é um absurdo retirar dos técnicos a atribuição de listar o trabalho escravo e deixar a decisão para o ministro do Trabalho.

Arolde de Oliveira
Arolde de Oliveira, PSC do Rio de Janeiro, classifica como absurda a flexibilização dos conceitos de trabalho escravo, divulgada em portaria do Ministério do Trabalho. O deputado sugere ao presidente Temer que revogue a portaria.


terça-feira, 31 de outubro de 2017

VIVA O SOCIALISMO DEMOCRÁTICO - CONSELHOS PARA QUEM PRETENDE MIGRAR PARA PAÍSES DESENVOLVIDOS

LISBOA


Cyntia Boschi Pinto, Bem Blogado

Faço parte de uma comunidade de apoio aos brasileiros em Portugal. Tem muita gente que entra para pedir informações porque pretende vir para cá.

Um desses é fã de Bolsonaro com aquele discurso de ódio. Aliás, existe uma comunidade com mais de 40 mil membros cuja “dona” me expulsou porque protestei contra esse tipo de discurso. Mas para o fulano de hoje deixei essa mensagem:

Fulano, uma informação importante, antes que venha para cá. Aqui existe política social para tudo. Apartamento e renda mínima para quem, por qualquer motivo, não possa trabalhar.

Aqui, a dignidade humana e os direitos humanos são para todos. O governo é socialista e a frente de esquerda chamada geringonça é muito forte.

Fãs de Bolsonaro, pessoas que dizem que esquerdista e artistas são vagabundos vão ficar bem contrariadas aqui. Além do mais, a cultura é subsidiada pelo estado, como geralmente é em outros países europeus.

Nu artístico na Europa pode gerar crítica, mas nunca censura. Arte e Ciência são livres. Outra coisa, o nível de entendimento das artes é bem alto.

Ninguém confunde realidade com representação da realidade, nem denúncia com apologia.

Não aconselho nenhum país da Europa para você. O Brasil pelo qual você lutou é o ideal para você, agora. Usufrua!

COISAS QUE VOCÊ DEVE SABER ANTES DE MIGRAR PARA OUTRO PAÍS


Por Marjorie Rodrigues

Marjorie Rodrigues é jornalista formada pela ECA-USP e mestre em estudos de gênero pela Central European University (Hungria) e Universiteit Utrecht (Holanda). Para acessar seu blog, clique aqui.(Brasil Post)


Outro dia compartilhei um texto no Facebook no qual um cara afirmava que “nunca antes na história deste país” houve tanta gente ingênua dizendo que quer se mandar para o exterior. Se isso procede, não sei - e houve uma boa discussão na minha timeline sobre a questão, com muitos dizendo que o cara provavelmente não viveu a ditadura e a inflação desgovernada. Mas fato é que há mesmo muita gente que fantasia sobre a vida de imigrante.

Estou há quase dois anos e meio na Holanda. Antes disso, morei um ano e meio na Hungria. Primeiro como estudante de mestrado, depois trabalhando. Então tenho um tiquinho de experiência para falar sobre imigração, né?

Não acho que ter o desejo de morar fora seja necessariamente um reflexo do complexo de vira-lata, como sugeriu o moço do texto que compartilhei. Tem gente que simplesmente tem fome de alhures. Que não se identifica com um só pedaço de chão, que quer mais é ver e sentir o que há por esse mundo. Foi o meu caso.

Defendo a todo mundo que queira e possa morar fora que o faça, nem que seja por alguns meses. O contato mais prolongado com outras culturas e modos de vida é uma excelente forma de aprendizado. Infelizmente, este é um aprendizado que não obtemos apenas fazendo turismo. É preciso tempo. É preciso não estar apenas passeando. Viver o dia a dia, alugar apartamento, pagar contas, fazer supermercado, ir ao médico, construir uma rede de amigos, lidar com colegas de trabalho. Só assim é que vamos lentamente desvendando as miudezas que fazem de um americano um americano, um chinês um chinês e um espanhol um espanhol. Mas, em outro país, desvendamos sobretudo a nós mesmos. Quando as pessoas ao nosso redor não são exatamente como nós, acabamos por refletir sobre o que faz a gente ser como é.

Recomendo a imigração porque esta é uma experiência maravilhosa e, ao mesmo tempo, dolorida. Portanto, se você tem o sonho de morar fora porque acha que sua vida vai ser muito mais fácil em um país de primeiro mundo onde o ônibus vem na hora certa e as pessoas não têm cerca elétrica em casa, reveja seus conceitos. Pegar o ônibus será mais fácil, mas em compensação haverá uma série de novas buchas. O grande barato da imigração é justamente não ser fácil. É como um quebra-cabeça com três mil peças. É aterrorizante, desafiador, chato, divertido, frustrante, cansativo. Tudo ao mesmo tempo.

Antes de considerar partir, eis cinco coisas que você deve saber/desmistificar. Depois não diga que não avisei!

1. País rico não é sinônimo de gente rica

Tem gente que acredita que os habitantes dos Estados Unidos e Europa nadam em dinheiro. Toda uma população de Narcisas Tamborideguy. Quando digo onde moro, há quem reaja dizendo: “que chique!”. Como assim chique? Já imagino as vacas holandesas com sinos de cristais Svarovski no pescoço e os pastos sendo adubados por Veuve Clicquot. É apenas um lugar, gente. Onde as pessoas estão nascendo, crescendo, se reproduzindo e morrendo. Ralando. Igualzinho à gente. Todo mundo faz cocô.

Muitos já escreveram sobre isso melhor do que eu, mas não custa repetir: se você faz parte da classe média no Brasil, muito provavelmente tem bem mais mordomias do que uma pessoa de classe média na Europa. Afinal, como a disparidade de renda não é absurdamente alta como no Brasil, não existe uma série de serviços a custo de banana, prestados por pessoas que tiveram pouco ou nenhum acesso à educação. Não tem empregada para lavar sua privada, cozinhar e passar sua roupa, tudo incluído no mesmo pacote. Não tem quem empacote sua compra no supermercado e depois leve até seu porta-malas. Não tem manicure para fazer suas unhas toda semana. Não tem quem monte seus móveis quando você se muda. Não tem porteiro, não tem elevador de serviço. E por aí vai. Pelo menos não sem que isso cause um rombo no seu orçamento. As pessoas se viram sozinhas, afinal de contas a mão delas não vai cair se empacotarem as próprias compras.

(E, como disse o Ducs, existe uma relação direta entre ter que limpar a própria privada e poder sair com seu MacBook na rua, sem medo. A violência no Brasil nunca vai melhorar enquanto a renda e as oportunidades não forem melhor distribuídas. Mas parabéns para vocês que acham que basta diminuir a maioridade penal e descer o cacete na favela. Viver entrincheirado em carros blindados e condomínios fechados é o preço que você paga pela privada que não lava)

País rico/desenvolvido significa país onde toda ou a grande maioria da população tem acesso a condições dignas de sobrevivência. Um teto sobre sua cabeça, comida, roupas. Não é democracia de carro Mercedes e bolsa Chanel. A maioria dos europeus está vivendo de uma maneira bem mais simples que você. Fazendo festas infinitamente menores para seus filhos. Comprando muito menos pares de sapato. Não têm chão de porcelanato e não estão nem aí para o formato da cuba do banheiro. Afinal, só precisa ostentar quem precisa se diferenciar a todo custo dos pobres para ser bem tratado. Viver bem é uma coisa, luxo é outra.

Se você curte uma vida de luxos, mordomias e tratamento de dotô, nascer classe média em um país tão desigual é o melhor que poderia ter te acontecido. Afinal, por aqui até o ministro vai trabalhar de bicicleta e metrô.

2. Nem tudo funciona perfeitamente sempre

Vivo reclamando do sistema de saúde holandês, focado quase que exclusivamente em cura. Eles não têm uma mentalidade voltada para a prevenção. Este é o país europeu onde mais se morre de câncer, por exemplo, porque as pessoas o descobrem tarde demais. Sempre acham que não carece ir ao médico por algo “pequeno”. Quando vão, mesmo o médico pode achar que a reclamação é muito “pequena” e não a investigam. Faça um dramalhão mexicano ou voltará para casa apenas com um paracetamol. Conseguir autorização para fazer um reles exame de sangue me dá o mesmo sentimento de passar uma fase difícil num vídeo game. Um dia desabafei sobre isso no Facebook e recebi o seguinte comentário: “nossa, mas eu achava que aí era perfeito!”.

Mas como poderia ser perfeito? Sistemas e instituições são geridos por pessoas. Logo, são suscetíveis a falhas. Aqui também coisas atrasam ou são feitas nas coxas. Humanos. O país pode ter mais recursos e, por isso, as coisas tenderem a ser mais bem geridas. Mas depende da coisa em questão. Diversas variáveis além de dinheiro podem influenciar a qualidade dos serviços — como neste exemplo, em que a praticidade holandesa acaba gerando uma mentalidade “deixa de frescura” que impacta o sistema de saúde. Perfeição não existe.

3. Saudade será o menor dos seus problemas

Se medo de sentir muita saudade é o que te prende ao Brasil, não tema. É claro que isso depende de quão apegado você é às pessoas. Mas, se já considera a possibilidade de ir morar em um país distante, assumo que você já seja mais desprendido (caso contrário, por que causaria tamanho sofrimento a si mesmo?).

A grande verdade é que você vai se acostumar com a ausência física de familiares e amigos. O que não significa que eles ficarão de fora da sua vida. Skype quebra demais o galho – e, acredite, sua relação com seus pais ficará até mais próxima. Converso muito mais com minha mãe hoje, em nossos encontros no Skype, do que quando morávamos juntas.

Você vai aprender que amizades são circunstanciais. A maioria delas só perdura enquanto vocês partilham um determinado espaço ou situação. Tanto é que perdemos contato com a maioria dos amigos de escola, faculdade, antigos empregos. Poucas são as pessoas que ficam depois de muitas temporadas. Você vai fazer novos amigos em seu novo país e, mais consciente de que as pessoas vêm e vão, vai se tornar menos apegado. Vai aprender a ficar sozinho, se ainda não sabe.

A maioria dos amigos que vai fazer serão outros imigrantes. Normal, afinal é a circunstância que vos une. Boi preto reconhece boi preto. Como não haverá família por perto para ajudar na hora do aperto, essas amizades podem se tornar bem intensas. Mas expatriados estão sempre indo embora. Seja porque o mestrado acabou, porque surgiu uma oportunidade de emprego melhor em outro canto ou simplesmente porque deu na telha. Aí, se for se apegar a todo mundo, ai de você. Brinco que a vida de imigrante é uma cópia mais acelerada da vida comum. Todo mundo vai embora, eventualmente. Conosco, o ciclo só acontece mais rápido.

Saudade de coisas e comidas também é facílimo de lidar. A comida do Brasil é ótima? É, mas os outros povos também têm suas gostosuras. Ninguém morre sem mandioca e a gente acaba se acostumando com os novos hábitos alimentares. Dependendo de onde você for morar, sempre haverá a lojinha de produtos brasileiros para quebrar um galho.

Resumindo: a saudade só vai te matar se você não estiver aberto às novas experiências. Mas, se for este o caso, sair do Brasil pra quê mesmo?

4. Ser diferente o tempo todo será o maior problema

Vamos supor que você fale inglês fluente, aprendeu desde pequeno, e vá para um país onde este seja o idioma oficial. Tire o cavalinho da chuva que você não vai se passar por um local. Não por muito tempo. Pode ter o melhor sotaque do mundo, em algum momento algo vai te denunciar. Alguém vai se referir a uma musiquinha infantil que você não cantou. Ou a uma celebridade da qual nunca ouviu falar. Uma gíria que você não conhece. Você pode ter o domínio da língua, mas não domina todas as referências. Simplesmente porque não nasceu ali.

Se você for louco como eu e for para um país cuja língua você não fala, pior ainda. Na Hungria, eu vivia numa bolha de estudantes estrangeiros, já que não planejava ficar lá por muito tempo e, como escreveu Chico Buarque, o húngaro é a única língua que o diabo respeita. Toda vez que saía da bolha e precisava resolver um pepino com um atendente que mal falava inglês, me sentia uma pateta.

Depois, tive que aprender holandês do zero, enquanto todo o resto do mundo falava holandês à minha volta. Ok, aqui todo mundo tem um bom nível de inglês, então jamais fiquei incomunicável (pré-condição para que eu cogitasse ficar aqui no longo prazo). Mas não é essa a língua das ruas. Não é essa a língua da televisão, dos jornais. Se quisesse participar da sociedade, tinha que aprender holandês. Porém, mesmo que você seja o melhor aluno do mundo, não se domina um idioma da noite para o dia. Será um longo processo, durante o qual você se sentirá um pateta incontáveis vezes. Hoje, tenho um bom nível do idioma. Entendo uns 80% do que falam e consigo me expressar razoavelmente, contanto que não seja um assunto demasiado complexo. Sou capaz de resolver pepino no banco e declarar o imposto de renda. Mas não sem cometer alguns erros gramaticais. Ou falar frases gramaticalmente corretas, mas que soam um pouco estranhas. E é sempre um pequeno parto. Ainda não me sinto 100% à vontade com a língua.

Não conseguir se expressar a contento é das coisas mais frustrantes que já senti. Querer dizer algo mas não saber a palavra. Ter a palavra desejada vindo em 479 línguas na sua cabeça, menos na que você precisa. Ter que fazer sua frase dar mil voltas para expressar algo que seria simples – e no fim não ter muita certeza se o outro entendeu o que você queria dizer. Saber responder ao que lhe perguntaram, mas demorar mais que um segundo para as palavras saírem da sua boca e aí a pessoa trocar para o inglês julgando que você não sabe nada. Tudo isso me acontece diariamente e sem dúvida afeta as minhas relações. Não sou um deles. Mesmo quando me tornar fluente, jamais serei.

A diferença não está apenas estampada na forma como falo, mas no meu rosto (apesar da Holanda ser um dos países mais multiculturais da Europa, a maioria continua sendo alta, loira dos olhos azuis). Está na cara – literalmente – que não sou daqui. Está também evidente na forma como penso, sinto e reajo a diversas coisinhas, desde o jeito como lavo a louça (holandeses enchem a pia inteira de água e lavam seus pratos ali dentro) até a forma como falo com meu chefe (ele me deu uma nota negativa em minha avaliação anual, dizendo que eu deveria ser mais assertiva ao… Criticá-lo!).

Embora desvendar esse novo mundo e seus códigos seja interessante e divertido – foi para montar esse quebra-cabeça que vim, afinal – , tem hora que cansa. Tem hora que você só gostaria de estar num lugar onde todo mundo te entendesse e você entendesse todo mundo. Não precisar fazer esforço algum. É disso que você sentirá mais saudade.

Houve uma época em que sofri um bullying danado na escola. Mas, por pior que fosse, não ficava na escola o dia inteiro. Havia outros lugares onde eu não me sentia a única diferente. Hoje, não tem folga. Sou a diferente o tempo todo.

5. Você vai sofrer preconceito

Se você é uma pessoa branca, heterossexual, de classe média e com curso superior como eu, não está acostumado a sofrer preconceito. Ok, sou mulher e existe o machismo – mas, tirando isso, no Brasil as demais portas estão abertas para mim. As pessoas me tratam bem automaticamente. Nem preciso dizer que não é sempre o caso quando se é imigrante, certo? Para começar, aqui eu não sou considerada branca. E, muito provavelmente, você também não será.

Não há um só dia em que eu não abra o jornal e não veja pelo menos uma coluna dizendo que o país já está “cheio”, que é preciso apertar ainda mais as leis de imigração, que são os imigrantes a aumentar os níveis de criminalidade. Apesar dos privilégios acima mencionados também me quebrarem um bom galho aqui (definitivamente, é melhor ser um imigrante altamente qualificado do que o contrário), há pessoas que não vão hesitar em demonstrar que não sou exatamente bem-vinda por eles. É preciso criar uma casca grossa para lidar com isso.

Alguns holandeses parecem querer que os imigrantes se livrem de todo e qualquer traço cultural de seu lugar de origem, comportando-se como ventríloquos ou tietes da cultura holandesa. Temos que puxar o saco deles para demonstrar agradecimento por estar neste pedaço de chão. Mas, como disse acima, jamais seremos um deles. O máximo que conseguiremos é ser uma cópia mal feita. E eles, mais do que ninguém, sabem disso. Xenófobos jamais admitirão que os forasteiros sejam iguais. Mas eles querem que a gente tente mesmo assim. Felizmente, o bullying da época da escola me mostrou que isso não compensa. Viver querendo agradar “a turminha popular”, viver para ganhar uma estrelinha de aprovação na testa, não é vida.

Então é preciso diariamente empinar o nariz e jogar um beijinho no ombro – o que nem sempre é fácil. Tem hora que o azedume dos outros acaba te afetando. Vira e mexe tenho de repetir a mim mesma que estou aprendendo holandês porque EU quero, porque me interessa, porque enriquece a minha experiência por aqui, porque me conecta melhor com meu namorado e sua família. E não porque uma pessoa aleatória na rua foi grossa comigo ao perceber que eu não dominava o idioma. O país não é propriedade dela, não devo satisfações a ela, não é a ela que eu devo ser agradecida. Se eu não faço questão de agradar todos os brasileiros, por que me imporia a obrigação de agradar todos os holandeses? Não gostou, pega eu.

Basicamente, você troca um país onde tem problemas por um país onde você é o problema. Esta queda, esta perda de privilégios te faz criar consciência sobre as pessoas que nem precisam sair de seu país para serem tratadas assim. Lembra na época das eleições, quando circulou o tweet de uma pessoa dizendo: “malditos nordestinos que elegeram a Dilma, vou me mudar pra França“? A primeira coisa que pensei foi: “vá mesmo! Aí você vai ser tratado pelos franceses da mesma forma como trata os nordestinos“.

Lidar com eventuais babacas é, no entanto, a parte mais fácil. A pior faceta do preconceito é a burocracia. Se você não tem cidadania europeia, prepare-se para ser inundado por ela, afinal os babacas elegem políticos que lutam para deixar as leis de imigração cada vez mais Kafkianas. Tem um post enorme em meu blog sobre como consegui meu primeiro visto de trabalho. Engraçado ver como estava aliviada quando o escrevi, como se meus problemas tivessem acabado. Mal sabia eu que, no ano seguinte, enfrentaria mais burocracia para renovar o visto. Todo ano tem novas regrinhas, todo ano tem mais encheção de saco. Você tem que ficar o tempo todo se justificando e suplicando para continuar dentro de uma linha imaginária que traçaram sobre um pedaço de terra.

***

Você está preparado para passar por tudo isso? Bom, na verdade, ninguém está. É daquelas coisas que a gente só aprende fazendo, dançando conforme a música. Tem que se jogar. Mas é preciso que você se jogue de forma realista. Se você sonha em sair do Brasil para fugir de problemas, pense novamente. Mas, se você gosta de um bom quebra-cabeças, divirta-se. Vale a pena. Eu faria tudo de novo.

LAVA JATO E O DESMONTE DO PRÉ SAL - A COMBINAÇÃO QUE LEVOU O RIO DE JANEIRO A FALÊNCIA.


O Estado enfrenta déficit orçamentário de R$ 19 bilhões neste ano, curva-se aos bancos para captar R$ 3,5 bilhões e já eliminou milhares de postos de trabalho desde que o golpe institucional e a Lava Jato tomaram conta do país.

Qual a relação entre o desmonte do setor de petróleo e gás no Rio de Janeiro, a falência financeira do estado e o avanço da Operação Lava Jato? Com déficit orçamentário de R$ 19 bilhões previsto para 2017 e obrigado a tomar emprestado agora em outubro recursos da ordem de R$ 3,5 bilhões junto a bancos internacionais para buscar uma momentânea recuperação fiscal, o estado é também a principal vítima de uma política que reverteu completamente as expectativas de desenvolvimento econômico e social do Rio – e do país – a partir do fortalecimento da cadeia produtiva do pré-sal. 


Já o rumo das investigações sobre a corrupção na Petrobras, segundo os críticos, aprofundou esse quadro de desmonte do setor ao perseguir deliberadamente o objetivo de enfraquecer a empresa. Isso afugentou investimentos e debilitou projetos importantes para a economia fluminense, como, por exemplo, o Complexo Petroquímico de Itaboraí (Comperj).



“Há um impacto violento da Lava Jato na indústria de petróleo e gás, sobretudo no Rio de Janeiro. Foram fechadas centenas de empresas, desde companhias grandes da área naval, que estava indo muito bem até 2015, passando por empresas médias de equipamentos, bens e serviços e chegando a lojas comerciais, restaurantes e botecos que foram abertos, por exemplo, nos arredores do Comperj para atender a seus trabalhadores. Foi uma perda brutal para uma economia que já estava fragilizada. O ápice do emprego no Rio foi em 2014, quando começou a baixar. Aí, chegou a Lava Jato e arrasou tudo”, afirma o economista José Carlos de Assis, que este ano apresentou, em nome dos petroleiros, uma versão alternativa ao Plano de Negócios e Gestão elaborado pela atual direção da Petrobras.



Segundo o economista, o desmonte do setor de petróleo e gás é a razão central da atual crise do Rio de Janeiro: “O estado já enfrentava problemas para pagar uma injusta dívida com a União criada no governo Fernando Henrique Cardoso, quando houve a onda de privatizações de bancos estaduais, mas a recente crise do petróleo foi um golpe definitivo, porque a economia fluminense de alguns anos para cá foi estruturada para atender à indústria de petróleo e gás. Então, a base industrial do estado foi toda ela solapada pela crise nesse setor, sobretudo com a contribuição da Lava Jato”, diz.



Assis ressalta que o impacto foi ainda maior na medida em que tudo parecia ir muito bem no Rio há pouco mais de dois anos: “O colapso no setor de petróleo foi uma coisa súbita, a destruição de um setor inteiro da economia fluminense. Isso foi terrível, sobretudo, no caso do Comperj, que ia de vento em popa e tinha investimentos extremamente relevantes para a economia do estado e para a economia do Brasil. Houve danos não somente no investimento de ponta, mas também na cadeia produtiva, sobretudo no que se refere ao emprego. Milhares de empregos de qualidade foram destruídos pela Lava Jato”.



Segundo dados levantados pelo Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ), cerca de 25 mil postos de trabalho já foram suprimidos no estado desde o início do desmonte do setor há três anos.

Setores desenvolvimentistas da sociedade afirmam que os rumos da Lava Jato, principalmente em relação à Petrobras, caminham de mãos dadas com o desmonte do setor de petróleo capitaneado pelo governo de Michel Temer. “Há claramente o intuito de interferir na política e na economia brasileiras”, diz o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ). “Já foi demonstrado por inúmeros economistas, por inúmeros estudiosos, que essa operação chamada Lava Jato, que se diz de combate à corrupção, tem tido um efeito devastador sobre o setor produtivo brasileiro, sobretudo na cadeia de petróleo e gás, o que atinge em cheio a economia do Rio de Janeiro. Empresas importantes como a Odebrecht foram quebradas e isso atingiu profundamente também a Petrobras”, diz.



Fernando Siqueira, que é vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), avalia que o rumo das investigações contribui para o desmonte do setor: “A Lava Jato é uma importante fonte de combate à corrupção, mas teve uma falha: deixou a entender que a Petrobras é um antro de corrupção. Confundiu a instituição com meia dúzia de gerentes fracos de caráter. E a grande mídia, que defende o interesse dos seus patrocinadores, as multinacionais do petróleo, exacerbou os fatos. Chegou a ponto de ignorar o terceiro prêmio internacional de melhor empresa de desenvolvimento de tecnologia em águas profundas do mundo, em fevereiro de 2015. Nesse aspecto, a Lava Jato contribuiu”, diz.



Namoro com a Exxon

E o desmonte do setor de petróleo no Rio e em todo o país deve continuar. Segundo previsões do mercado, a segunda e a terceira Rodadas de Licitação de Partilha de Produção do pré-sal, que serão realizadas simultaneamente e têm sua apresentação pública de ofertas prevista para 27 de outubro, deverão reduzir ainda mais a participação nacional em campos do pré-sal, o que traz consequências diretas às receitas fluminenses pelo enfraquecimento de uma cadeia que inclui siderúrgicas, estaleiros, fabricantes de peças e equipamentos e fornecedores de bens e serviços.



Sob o pretexto de reduzir a dívida da Petrobras, o Conselho Nacional de Política Energética aprovou o leilão de áreas do pré-sal. Elas acontecerão, já sob o regime de concessão e com participação reduzida da empresa, menor que os 30% de participação mínima obrigatória estabelecida pelo marco regulatório do pré-sal criado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.



Essa mudança foi explicitada na 14ª Rodada de Licitação, realizada pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) em 27 de setembro, quando, tendo o ministro Moreira Franco como mestre de cerimônias, foram ofertados 287 blocos de exploração, entre eles três campos do pré-sal na Bacia de Santos e dois na Bacia de Campos. A nova política se materializou na formação de um consórcio entre a Petrobras e a petroleira norte-americana ExxonMobil, que arrematou os blocos CM-346 (R$ 2,2 bilhões) e CM-411 (R$ 1,2 bilhão).



Após a rodada, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, o mesmo que estava à frente entre 2000 e 2002, quando o governo FHC tentou privatizar partes da empresa e chegou a sugerir a mudança de seu nome para Petrobrax, comemorou a realização do consórcio: “Nosso parceiro é simplesmente a maior empresa de petróleo e gás do mundo. As conversas com a Exxon foram as mesmas que travamos com outras grandes empresas do setor. Não é surpresa que tenhamos construído essa parceria. Provavelmente outras virão nos próximos leilões, com outras empresas”, disse aos jornalistas.



Parente foi nomeado para a presidência da estatal após indicação do senador José Serra (PSDB-SP), que também é autor do Projeto de Lei 4567/2016, aquele que determinou o fim do regime de partilha na exploração do pré-sal. Em junho, ele anunciou o planejamento estratégico da Petrobras, que congela investimentos pelos próximos cinco anos e pretende arrecadar até o fim do ano que vem US$ 21 bilhões com a venda de ativos, de subsidiárias e da participação brasileira nos campos do pré-sal.

Privatização

O mercado tem reagido bem à nova orientação do governo brasileiro para o setor de petróleo e gás. Um de seus principais porta-vozes, a agência de análise de riscos Moody’s, elevou o conceito da Petrobras de B2 para B1, pois “a estatal brasileira apresenta maior liquidez e demonstra maior capacidade de honrar seus compromissos com investidores”.

Já os trabalhadores do setor de petróleo têm outra visão: “O senhor Parente foi nomeado presidente com o objetivo de entregar a Petrobras. Com carta branca, ele vem vendendo ativos altamente estratégicos como a malha de gasodutos do Sudeste, que escoa o gás do pré-sal, para um grupo canadense que tem fama internacional de corrupção, o grupo Brookfield, ex-Brascan, que na década de 80 vendeu a Light e a Eletropaulo para a União por US$ 1,5 bilhão no último ano da concessão”, diz Siqueira. O vice-presidente da Aepet ressalta que, na direção da empresa, “Parente, junto com Philippe Reichstul, dividiu a Petrobras em 40 unidades de negócio para serem vendidas gradualmente”.



Simbolicamente, o 17º Congresso Nacional da Federação Única dos Petroleiros (FUP), realizado em agosto, retomou a bandeira de luta “Privatizar faz mal ao Brasil”, que havia sido adotada pela entidade em 2000, ainda durante o governo FHC. Segundo a FUP, desde o início da Lava Jato e da instalação da “crise da Petrobras”, cerca de 55 mil postos de trabalho já foram desativados pela atual direção da empresa, grande parte no Rio de Janeiro.

De acordo com um levantamento feito pelo Grupo de Estudos Estratégicos de Propostas da FUP, a atual direção da Petrobras já vendeu US$ 13,6 bilhões em ativos da estatal. Também foram reduzidos, segundo a entidade, 75% dos investimentos realizados entre 2013 e 2016, saindo de US$ 48,8 bilhões para US$ 11,5 bilhões.



Os petroleiros também denunciam a venda de 74 unidades de exploração e produção de petróleo em cinco estados do país. Estimam que apenas na Bacia de Campos, que teve 14 áreas anunciadas na mais recente rodada e tem efeito direto sobre a economia do Rio, outros 10 mil empregos estão ameaçados. Além disso, segundo a FUP, “o governo Temer quer vender subsidiárias que sempre geraram lucro para a Petrobras, como é o caso da Liquigás, já vendida, e da BR Distribuidora”.

Carcará

A entrega de ativos teve início em julho do ano passado, com a venda da participação da Petrobras no bloco exploratório BM-S-8 no campo de Carcará, localizado no pré-sal da Bacia de Santos, para a empresa norueguesa Statoil. Segundo um levantamento feito pela Aepet, desde que Parente assumiu a presidência, a Petrobras já vendeu 66% do campo, que tem capacidade estimada em cerca de dois bilhões de barris, por US$ 2,5 bilhões (US$ 1,25 por barril). Os cálculos apresentados pela Aepet mostram que o bloco valeria pelo menos dez vezes mais: “É o melhor campo do pré-sal, pois tem uma pressão maior que permite produzir mais tempo sem injetar água ou gás para restabelecer a pressão do reservatório”, diz Siqueira. A Aepet também denuncia a venda de parte dos campos de Iara e Lapa por cerca de US$ 2 por barril.



No final de setembro, no entanto, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF), em Recife, derrubou o processo de suspensão de segurança da União que permitia a continuidade da venda de Carcará. A decisão ocorreu após um pedido conjunto feito pela Federação Nacional dos Petroleiros e pelos sindicatos de petroleiros de Alagoas e Sergipe. O governo já recorreu.

Conteúdo nacional

Um dos instrumentos mais efetivos de desmonte do setor de petróleo e gás é a flexibilização das exigências de utilização de conteúdo local pelas empresas operadoras dos campos. Essa obrigatoriedade foi inicialmente estabelecida pelo marco regulatório do pré-sal aprovado no governo Lula, como forma de fortalecer as empresas brasileiras que integrassem a cadeia produtiva do pré-sal. Por intermédio da ANP, no entanto, o atual governo reduziu essa cota obrigatória a 25%, o que agradou as petroleiras estrangeiras: “Sem dúvida, as mudanças previstas nas regras de conteúdo local foram importantes para a formação do consórcio com a ExxonMobil”, disse Pedro Parente.



Após um período de consulta pública de dois meses, a ANP realizou em 3 de outubro uma audiência pública para discutir os critérios e procedimentos que devem ser utilizados pelas empresas para a isenção, mesmo nos contratos em vigor, do cumprimento das antigas exigências de utilização de conteúdo local. Essa redução já está sendo aplicada desde a sétima Rodada de Licitações realizada pela Agência. A flexibilização atinge os contratos vigentes desde 2005.

A oposição à redução da exigência de conteúdo local tem sido fortemente criticada até mesmo pelos setores empresariais ligados à cadeia de bens e serviços da Petrobras. Entidades como Fiesp, Firjan, Abemi, Abimaq, ABCE e Aço Brasil, entre outras que apoiaram as mudanças no governo e na Petrobras, querem agora que a ANP aumente para 40% a obrigatoriedade mínima de conteúdo nacional e já avisaram que pretendem levar essa disputa à Justiça.

Interesses

Mas, a quem interessa esse desmonte do setor de petróleo brasileiro? O deputado Wadih Damous se arrisca a responder, mais uma vez ressaltando o papel da Lava Jato: “Na verdade, há interesses estrangeiros por trás disso. Tanto o juiz Sergio Moro quanto o ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, têm ligações com o Departamento de Justiça norte-americano, então há algo por trás disso que obviamente não é só o combate à corrupção”.

Fernando Siqueira segue a mesma linha: “O desmonte do setor no Brasil interessa aos Estados Unidos e demais países hegemônicos que são altamente dependentes do petróleo e não têm reservas. E também ao cartel internacional do petróleo, que corrompe, depõe governos ou mata, como fez com Saddam, Jaime Roldós e Kadafi. Os Estados Unidos já dominaram 90% das reservas mundiais e, hoje, controlam menos de 5%. Sem petróleo, as suas empresas, as maiores do mundo, sucumbem. O pré-sal, segundo dois geólogos da Uerj, se situa entre a terceira e a quarta reserva mundial. Por isso, é altamente cobiçado”, diz.

Estes mesmos interesses obscuros levam ao enfraquecimento deliberado da Petrobras, diz Damous: “O que eles fizeram foi desmoralizar a empresa. Nós sabemos que o que aconteceu no ano passado, e que hoje chamamos de crise da Petrobras, se deveu à queda do preço do petróleo internacionalmente. Nada justifica o que a Lava Jato está fazendo com a Petrobras”, diz.

José Carlos de Assis também cita os EUA. “O combate à corrupção é uma atribuição da polícia, da Justiça. Mas, economia é outra coisa. Em termos econômicos, você tem que salvar as empresas. Nenhum país do mundo faz o que o Brasil está fazendo, que é destruir as empresas em nome de, supostamente, combater à corrupção. Em 2009, na fase mais aguda da crise das hipotecas nos Estados Unidos, os bancos Citigroup e Bank of America foram pegos em fraudes gigantescas no mercado imobiliário, mas o governo entrou em campo para que, apesar da corrupção, essas duas importantes instituições do sistema bancário americano não fossem destruídas. O governo sabia que a quebra dos dois bancos destruiria Wall Street e o próprio sistema financeiro do país”.

Já aqui no Brasil... “A Justiça resolveu punir as empresas junto com os empresários, o que é uma estupidez”, continua o economista: “Liquidamos a Odebrecht e a Andrade Gutierrez. Por que punir desse jeito as maiores empresas de construção do Brasil, empresas que geram empregos em um país em desenvolvimento? Corruptas não são as empresas, corruptos são os empresários. Há que se punir os indivíduos. Não só o Rio de Janeiro, mas a economia brasileira como um todo está sendo vítima desse processo”.

Retomada?

Há luz no fim do túnel para o setor de petróleo no Rio e no Brasil? Não com essa orientação política e econômica que está no poder, concordam os críticos: “Haveria uma retomada desde que um governo nacionalista fosse instalado no país. Este governo que aí foi imposto, integrado por delinquentes, recebeu como orientação para governar uma coletânea de programas entreguistas”, diz Siqueira. Ele vai além: “A meu ver os atos desse governo corrupto, ilegítimo, criminoso e obstrutor da justiça têm que ser invalidados, pois criminosos não podem conduzir o futuro de uma nação”.

Damous concorda: “Para uma retomada, primeiro é preciso derrubar esse governo e colocar em seu lugar um governo desenvolvimentista e que vá novamente priorizar a Petrobras e entender o setor de petróleo e gás no estado como um instrumento de desenvolvimento econômico e social”, diz o deputado.

“O atual governo fulminou com uma parte relevante da economia”, diz Assis. “O investimento na Petrobras era em 2015 quase 70% do investimento do Brasil. Quando você liquida com esse investimento, liquida com a economia. Esse foi um efeito deletério da Lava Jato. Fechar o Comperj, como foi feito virtualmente, liquidando dezenas de milhares de empregos, é um crime contra a economia nacional e contra todo o povo brasileiro. Isso pode ser debitado na conta da Lava Jato, da inexperiência daqueles promotores e na arrogância daquele juiz. Simplesmente fulminaram com a economia do Rio e do Brasil. Estamos vivendo o terceiro ano seguido de contração. Isso é um absurdo”

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

LAWFARE - O USO DA LEI PARA PERSEGUIR LULA.


Os advogados do Lula deram um argumento para rebater as denúncias contra seu cliente: segundo eles, "Lula é vítima de ‘Lawfare’.


Mas o que é Lawfare? A grosso modo, é uma guerra travada por meio da manipulação das leis para atingir alguém que foi eleito como inimigo político. É o uso (muitas vezes) abusivo da lei como uma arma de guerra. É a estratégia de utilizar - ou abusar - do direito como um substituto de tradicionais métodos militares para obter sucesso em um conflito.

Ora, numa democracia é necessário que a lei seja obedecida; o Estado, dessa forma, se vale do uso da lei para atacar aqueles/aquilo que considera como inimigo. Desenhando: dar um ar de legalidade aos abusos. Sabe quando alguém diz que apesar do impeachment ter seguido os trâmites legais, ainda assim ele foi golpe? Tipo quando o diabo, para tentar Jesus, usou as palavras de Deus? Pois, quem defende isso defende que houve, no Brasil, uma Lawfare e que Dilma saiu derrotada...

Segundo os advogados do Lula, há a prática de Lawfare, pois, para deslegitimar o ex-presidente, há manipulação do sistema legal, abuso de direito, tentativa de influenciar a opinião pública, judicialização da política e promoção de desilusão popular. Isso porque uma "guerra legal" parte da ideia de que um grupo político vai tentar usar a lei para impedir ou punir a ação de outro grupo político - e esse argumento fornece a impressão de que a atuação do Ministério Público não é só jurídica, mas política também.

Não caindo no mérito sobre se os advogados do Lula têm razão ou não, o fato é que o uso da lawfare é mais eficiente e menos cansativo que ganhar uma eleição. Nada melhor que derrubar um opositor usando uma via mais destrutiva: de forma legal - ainda que camuflada.


O que posso afirmar é que a Lawfare é inerentemente negativa. Não é uma coisa boa. É o oposto da busca pela justiça, pois, por meio de apresentação de processos judiciais frívolos e do mau uso de processos legais, intimida e frustra os adversários. E ganha uma Lawfare quem tem mais poder: político e econômico - e essa guerra nunca foi novidade num cenário internacional. Se chegou ou não ao Brasil devemos, sim, discutir.